Por longo tempo, a crença da boa educação se associou à reprovação. Tratava-se de uma consequência justa, até obrigatória. No entanto, aportamos o novo milênio cobertos de marcas por tal crença. Logo, discorrer sobre a reprovação implica sustentar que se trata de um caso de tragicidade. Reprovar e aprovar sugerem o ideário humano e de sociedade que se tem em determinado tempo histórico. Sugerem práticas pedagógicas que, entre elas, expressem a formação docente, gestão, currículo, planejamento, didática, instrumentos e a expressão da avaliação. Para além de tais práticas, recentemente, aspectos como vulnerabilidade social, saneamento, família, alimentação, saúde começaram a fazer parte do repertório de fracasso ou de sucesso escolar. Não obstante, é preciso observar o legado de fracasso escolar, especialmente o registrado no censo escolar de 2017.
Nele, observamos que 1,5 milhão de brasileiros entre 15 e 17 anos estão sem estudar e que, dos 7,9 milhões de estudantes, 28,2% apresentam distorção de idade-série – decorrência de anos de evasão e reprovação. Mais uma vez, deparamos com os resultados da trajetória de insucessos sociais. Desse modo, imprescindível recolocar ao centro do debate “Por que e para que nos educamos?”, bem como os signos e significados da reprovação.
Impacta a vida dos estudantes, mas também a sociedade
ROSANE ZIMMER
Até a década de 1960, era comum que, a cada mil crianças na 1ª série, apenas 101 completassem a 8ª série. Políticas públicas voltadas ao Ensino Médio chegaram com secular atraso em comparação a países ranqueados no campo educacional. A tardia conquista do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, em 2007, ampliou o entendimento de Educação Básica. Programas de material didático e escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde contemplaram a tríade acesso, permanência e qualidade, instaurando o seu direito e dever. Com ele, veio à baila a necessidade de se refrear o logradouro da reprovação com premissas da avaliação emancipatória: Para/com quem avaliar? Quem se aprova/reprova? O que se precisa provar? O que se não/aprendeu? Quem perde/ganha com a reprovação?
Aos desavisados, talvez possa parecer a banalização do conhecimento, e a eles, a célebre inferência de Santos: “Conhecimento prudente para uma vida decente”. Postular a avaliação que emancipe e que não rotule é bem mais extenuante do que se imagina, pois requer a compreensão de que a educação é processual, valorosa entre quem ensina e quem aprende. Não obstante, é preciso aludir sobre o mito “juventudes brasileiras”, saindo da hipótese à tese, como na obra de Rhoden, Nunca me Sonharam, para incorporar vozes, saberes que agreguem conhecimentos já sedimentados e a sedimentar. Não há tempo para resultados do sucesso ou de fracasso que simplesmente estimulem ou que apequenem as disparidades.
A reprovação impacta diretamente a vida de nossos estudantes, mas também a trajetória de uma sociedade. Muito testemunhei na escola na qual percorri minha professoralidade a ruptura do ciclo vicioso de exclusão de jovens concluintes da Educação Básica em cerimônias de formatura. Acredito que, para muitos, os primeiros de suas famílias, o futuro está sendo menos trágico, humanizador, como nos diria Freire.