É lamentável que a Assembleia Legislativa tenha desperdiçado ontem a oportunidade de decidir sobre um tema tão relevante para o futuro do Estado como a adesão ao regime de recuperação fiscal. É certo que todo cidadão tem o direito de recorrer à Justiça. Ao buscar a tutela de outro poder para impedir a votação do projeto, porém, um grupo de deputados gaúchos está dizendo na prática que os mandatos recebidos dos eleitores – e os de seus colegas – são prescindíveis.
Impasses dessa natureza precisam ser enfrentados pelos próprios políticos, que foram eleitos para encontrar soluções quando a sociedade anseia por elas, particularmente num momento crítico para o Estado, como o atual. O Judiciário já está assoberbado demais com a solução de litígios e disputas de sua alçada para ser acionado por políticos para decidir sobre questões que são da competência do Legislativo.
Em Brasília, a sujeição voluntária do parlamento ao Poder Judiciário não é novidade. Deve-se também à constante judicialização da atividade parlamentar a criação da imagem de um Congresso tão caro quanto improdutivo, com escassa credibilidade entre os brasileiros. O mesmo desgaste corre o risco de se repetir no Rio Grande do Sul, onde a Assembleia, que historicamente sempre soube se mostrar à altura de seus desafios, vem optando por transferir muitas de suas decisões. Quando esse tipo de situação ocorre, perde a democracia, na qual os poderes devem levar mais em conta suas atribuições constitucionais de fiscalizar e corrigir eventuais desvios, sem dar margem a superposições.
Não importa qual seja o tema em discussão. Em qualquer instância da federação, o que se constata, cada vez mais, são legisladores temerosos de enfrentar questões polêmicas, sempre de olho nas próximas eleições. Embora se queixem, de maneira geral, do excesso de protagonismo do Judiciário, muitos políticos contribuem para reforçar a distorção ao acionar esse poder para decidir sobre questões da competência do Legislativo. Quando deputados abdicam de discutir um projeto e transferem seu voto para outra instância de poder, diminuem sua própria atividade e enviam ao eleitorado um recado sobre sua irrelevância.
No caso específico do regime de recuperação fiscal, e independentemente dos desdobramentos da questão, os deputados precisam cumprir a função para a qual foram eleitos. Caso contrário, será mais apropriado a Assembleia mudar seu slogan para a casa dos pequenos debates.