Há alguns dias, no início da noite, aguardava na fila para embarcar no aeroporto de Congonhas de volta a Porto Alegre, depois de um bate e volta para reuniões de trabalho. Enquanto esperava o embarque, chegaram duas senhoras, certamente passadas dos 70 anos, sendo que uma delas, que vou chamar aqui de Dona Gerta, era extremamente falante e, de alguma forma, foi animando aquele ambiente de fisionomias cansadas.
Contou que voltava de uma excursão, mas que também dias antes visitara um filho que mora em Orlando, na Flórida, com a esposa e quatro filhos, e que costuma visitá-los periodicamente. É professora de alemão e mora em Ivoti, para onde se dirigiria após chegar a Porto Alegre. Falou um pouco mais de sua vida, que havia, este ano, perdido o marido e, posteriormente, um filho em um acidente. Relatou tudo de forma resignada, comentando o que é a maior tristeza que pais podem ter, que é enterrar um filho; disse que estava indo encontrar a nora. Porém, o que mais me impressionou foi que, apesar da resignação, disse tudo sem perder o brilho nos olhos.
Disse que permanecerá em Ivoti e na sociedade de que é parte, também como integrante da comunidade luterana que celebra os 500 anos da Reforma de Martinho Lutero, e que sua vida continuaria, com família, amigos, alunos e religião. Fiquei tocado por ela, pois ajuda a lembrar que nosso mundo é feito de muitas Donas Gertas, que levam as vidas criando famílias, trabalhando e passando bons valores, iluminando um pouco aqueles com quem convivem, em que pese os muitos contratempos e tropeços que a vida por vezes lhes reserva.
Acostumados com um mundo lotado de malfeitos de Lulas, Cunhas e Cabrais e outros tantos condenados; pelo crime que se baseia no tráfico de drogas e seus consumidores cúmplices; pelos diversos ilícitos praticados no dia a dia e com o aprisionamento do Estado por corporações públicas ou privadas, lembrar que Gertas existem e são maioria conforta e ajuda.
Trabalhando já há décadas com matéria econômica, normalmente tão duras, me fez bem conhecer Dona Gerta e sua história e, em especial, sua energia e seu persistente brilho nos olhos, o que ajuda a repensar um pouco na vida e seus reais valores, em especial quando há poucos dias nasceu Alícia, minha netinha, que merece um mundo um pouco melhor do que o que construímos até aqui. Só me arrependo de não ter perguntado o real nome de Dona Gerta e agradecer por ouvir um pouco de sua história, razão pela qual tive aqui que inventar seu nome. Mas, quem sabe, nunca será tarde para descobrir.