* Advogado
O devido processo legal é uma garantia contra a indevida aplicação da lei. No campo penal, tal garantia é ainda mais sensível, pois a liberdade do cidadão não pode ficar à mercê de métodos investigatórios nebulosos, desleais ou ilícitos. Sim, a corrupção sistêmica apodreceu o Brasil. Aqui, ladrão tem foro privilegiado, enquanto o homem de bem morre de fome. Nessa completa inversão de valores, a extração do cancro da desonestidade exigia uma incisão firme, decidida e segura dos poderes punitivos do Estado. E a acusação vinha ganhando de lavada, surpreendendo o status quo da impunidade reinante.
Tudo estava indo muito bem até o surgimento de uma bovina delação premiada. Foi, então, que um dos maiores corruptores da República foi tratado como um iluminado falador divino, recebendo benefícios que surpreenderiam o próprio Barrabás. Acontece que, de forma inusitada, fatos novos vieram à baila, forçando o PGR a instaurar procedimento de revisão do inicialmente entabulado. O problema é que o duvidoso acordo não ficou restrito ao gado do delator, projetando-se para outras áreas e atingindo a esfera jurídica de terceiros.
E agora? Eis a pergunta que vale muito mais do que US$ 1 milhão. No intuito de estimular a reflexão, vislumbro uma importante mudança de perspectiva. Ora, nos termos da lei, a colaboração premiada é um "meio de obtenção da prova", ou seja, possui uma natureza instrumental ao processo e ao consequente descobrimento da verdade. Por assim ser, o uso de um meio viciado pode contaminar a substância da prova coletada, inquinando-a de ilegal e inválida a correlatas pretensões punitivas.
A questão é juridicamente tormentosa e trará debates acirrados. Ao final, caberá à sabedoria dos tribunais interpretar a lei e estabelecer o justo. De tudo, fica a certeza de que o açodamento acusatório pode obliterar a autoridade da razão pensante, dando margem para o nascer do abuso e da ilicitude. O Supremo já decidiu que "o poder de acusar supõe o dever estatal de provar licitamente a imputação penal". Mais uma vez, vale indagar. E agora?