São curiosas as conexões que a mente faz. Lendo ontem sobre a morte do fundador da revista Playboy, Hugh Hefner, pensei por um momento na série vencedora do último Emmy, The Handmaid's Tale. O seriado adapta o livro O Conto da Aia, de Margaret Atwood, e vislumbra um futuro em que a infertilidade da população serve como desculpa para que um regime fundamentalista tome conta. Nessa nova sociedade, mulheres são escravizadas e forçadas a dedicar suas vidas a fazer bebês.
Até lá pela metade do seriado, eu me perguntava: por piores que fossem aqueles homens, não era horrível também para eles ter relações com mulheres subjugadas sob a bênção de uma fé amalucada? Mas eis que o universo concebido por Atwood era mais verossímil e cruel do que eu imaginava. Os homens, veja só, tinham lá uma alternativa clandestina para burlar o sistema. Não vou me estender para não dar spoilers, mas pense apenas que a mansão de coelhinhas de Hefner evoluiu para algo muito mais perverso.
Cada vez menos grandes mulheres tirariam a roupa para entretenimento masculino por dinheiro algum
A Playboy perdeu seu lugar no mundo antes de seu dono bater as botas. Houve um tempo em que bastava uma mulher fazer sucesso em qualquer área – dramaturgia, esporte, música... para que a revista, como embaixadora do desejo masculino, encarasse como obsessão a tarefa de despi-la. A reação à morte de Hefner é bastante simbólica do pé em que estamos em 2017. Enquanto, no WhatsApp, homens comentam que ele não tem como ter partido “desta para uma melhor”, mulheres protestam nas redes sociais dizendo que quem transformou corpos femininos em commodities não merece homenagem.
Pode que a derrocada da revista tenha se dado por concorrência da internet, pela ascensão da nudez mais barata e acessível. Mas há outro fenômeno: cada vez menos grandes mulheres tirariam a roupa para entretenimento masculino por dinheiro algum. Sem dúvida, uma evolução. A Playboy morreu de inanição, mas resta a questão do que colocar no lugar dela. Adianta comemorar o fim dessa era e surgir algo clandestino ainda pior, sob o manto da hipocrisia – como imaginado por Atwood?
Sexo ainda é uma commodity. A prova é que você leu esta coluna pelo título, não leu? Então, quem sabe, em vez de execrar Hefner em público ou homenageá-lo em silêncio, não seria o caso de procurar uma forma saudável de consumir esse produto, em que mulheres e homens se sentissem igualmente atendidos? Que tal “gente pelada” em vez de “mulher pelada”? Pensemos juntos.
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