* Psiquiatra e psicanalista
O mal passa a ser bom. Com esta frase, desenvolvo o artigo, que não terá qualquer efeito, a não ser dar um suposto sentido à falta de sentido, e como se precisa e muito dar sentido, tarefa essencial para viver, como não menos, a processar o traumático. Desta vez, Barcelona. Os mais próximos, dilacerados, perplexos, combalidos e desorientados, os outros chocados, revoltados, todos tensos pela ameaça potencial pluri-presente, e nós distantes, a pensar na covardia letal.
Faz-nos pensar e nos acachapar até onde o humano. Do espectro construtivo ao destrutivo, do viver o amoroso ou viver a morte, tem-se equilíbrios que sustentam os impulsos e ideias, ou desandam ensandecidos.
Utilizo Ricardo III, de Shakespeare. Este personagem talvez nos oriente em alguma coisa. Conclui Ricardo III que não é gostado, que não tem atrativos que agradem. Encurtando, lá pelas tantas, nos novelos da alma desamparada de estima, diz, vou deixar o mal ser o meu bom! Com esta transposição, anula o conflito entre bem e mal. Adiante, Ricardo III comete vários assassinatos. Entendo que algo disso, não só isso, se passa na formatação do arremedo de mente desses fanáticos, e compondo esse trajeto louco, um passo anterior, depositam o mal de maneira simplificadora e totalizante no mundo ocidental. Este representa o mundo dos atrativos, sempre conflituosos, incomparável ao sereno paraíso das virgens e dos justos. Esses desgarrados, com identidade turva (distinguir, mesmo que rígido e dogmático, do Islamismo), bamboleantes de adolescência perturbadora, sem identidade própria, aglomerados e arrebanhados numa causa delirante, vão contornar e fechar um sentido, debaixo do carimbo da religiosidade. A carga destrutiva, amparada pela versão fanática, encontra seu leito: o mal é o bom, bom supremo, e esses militantes constroem a família do desastre.
O apoderamento cresce na pirâmide do insano, a destrutividade alcança o patamar máximo, sem recuo e sapateia indócil à descarga no gozo de dilacerar. Debaixo do anonimato, diluídos no todo, caçam aos que publicamente estão a desfrutar ,descontraídos e avulsos pelas facetas da vida, o que a eles não lhes pertence mais.
Lidar consigo mesmo, aquele dialogo íntimo, quem sou, quem penso que sou, este conjunto, cérebro e alma, tempo e cultura, é um forno que carrega um fermento tanto para crescer e viver, como para explodir e matar.