A cada dia integro ao meu círculo de amizades mais um europeu. Novos portugueses, italianos, alemães, espanhóis que reconhecem, na sua ascendência, um passaporte legítimo ao Velho Mundo. Independentemente de barreiras culturais e de, talvez, uma real compreensão do sentimento de pertencimento a uma nação, são estrangeiros gestados dentro de uma pátria comum, ansiosos para reconquistarem tradições familiares – nem bem conhecidas – ou, pelo menos, para utilizarem um passaporte de cor diferente ao atravessarem fronteiras. E se é possível escolher entre duas ou mais identidades, tanto melhor.
Tal fenômeno é curioso porque essa multicidadania, em sua maioria, não revela um desejo de resgate do próprio passado, mas antes certa inquietude em relação ao futuro. "Amar a vida é fácil quando se está no Exterior, onde não se é conhecido por ninguém", já diria Hannah Arendt (Rahel, 1958), justamente porque nos perdemos em nossa inocência e desconhecimento e nos furtamos do enfrentamento com a real infelicidade. A decepção é tal que, no íntimo, negar a ideia de pertença passa a ser um último refúgio. É preferível abandonar o que é conhecido e tangível e enfrentar o obscuro, porque, em tempos de violência interna, isto aparece como algo mais confortável.
Diferentemente de períodos outros em que se era instigado a deixar o país quando não se amasse a pátria da forma esperada, agora o exílio é voluntário e fundado num desejo de alcançar a liberdade longe da vergonha alheia. Afinal, por que se deve carregar a pecha da imoralidade coletiva quando nem mesmo os responsáveis pelo ilícito se preocupam com as consequências morais de suas ações? Quando não se é refugiado de uma guerra declarada – e, portanto, não reconhecido aos olhos dos outros como tal –, passa-se a conviver com o desejo de ser apátrida de uma nação sem rumo e, quem sabe, um cidadão perdido no estrangeiro.
Para os novos europeus, tanto faz o país de entrada. Só há a certeza de que o Brasil é o país de saída.