Quando eu me dirigia ao jornal ouvindo música no rádio em 9 de novembro, ainda pasmo com a vitória de Donald Trump, não contive um sorriso irônico. Márcio Paz sapecou na programação da Itapema o tema do Hair. "When the moon is in the seventh house...", poxa, não estamos na Era de Aquário? Não deveríamos viver algo muito diferente neste nosso badalado Terceiro Milênio? No mesmo dia em que Trump foi eleito com seu discurso misógino e xenófobo, apoiado por racistas, os EUA aprovaram avanços nos direitos individuais. Na mesma época em que o casamento gay é visto como natural, conservadores extremados se insinuam em países onde se esperaria a evolução franca dos costumes. Estranhamente paradoxal este nosso momento, hein?
Em razão de textos e livros que escrevi, costumo ser indagado por leitores sobre a possibilidade desta ou daquela situação ocorrer. Reportam-se a histórias dos cinzentos anos 1970 e me perguntam como seria hoje, em um mundo tão violento. Respondo que a violência é geral e fruto da reação, própria dos reacionários, que esperneiam como baratas atingidas pelo inseticida. Digo que todo esse refluxo é natural, mas que os avanços tendem a ocorrer de forma muito mais fácil, seja nas ruas, nas escolas, no trabalho ou nos estádios de futebol. Só que, sei lá, essa onda obscurantista parece estar indo muito além da conta. E fico cá com minhas dúvidas.
Então caiu nas minhas mãos um livro elucidativo, como seria de se esperar quando o autor é o historiador Voltaire Schilling, meu mestre em tantas aulas. Em Holocausto – Das origens do provo judeu ao genocídio nazista (Editora AGE, 95 páginas), Voltaire instiga desde o início. Começa assim: "Em seguida à vitória dos princípios gerais da tolerância do Iluminismo, consagrados pela Revolução Francesa, de 1789, e pelo Código Napoleônico, de 1804, ninguém poderia imaginar em sã consciência a possibilidade de sua reversão". Na página 64, ele conta que o antissemitismo racial substituiu o religioso (o antissemitismo, sempre se travestindo...) e desembocou em uma era de pregação do nacionalismo e da superioridade biológica em meio a extraordinário avanço das ciências. O livro mexeu com minhas convicções que confundem reaças com baratas suscetíveis à sola de uma boa Havaiana. A Era de Aquário, os avanços da ciência neste mundo digital da traiçoeira pós-verdade... terminei o livro e fiquei preocupado. Tomara que Marx tenha razão pelo menos nisto: a história se repete só como farsa.