Neste Natal, um texto de meu colega e colunista de Zero Hora Paulo Germano cumpriu seu papel: colocou em polvorosa a internet e as caixas de comentários de muitas pessoas. Em resumo, o jornalista declarou sua opinião pessoal sobre um discurso específico da cantora Madonna e muitas pessoas – em sua maioria mulheres – sentiram-se ofendidas e reclamaram. Muito.
Longe de mim imaginar como foi para o Paulinho passar o Natal em meio a essa chuva de comentários: muitos deles sem paciência para contrapartidas, alguns irônicos e outros até mesmo grosseiros. Nem consigo projetar como deve ser estar na pele, nem que por um segundo, de um homem branco, heterossexual, classe média e formador de opinião. Por isso mesmo, não vou escrever sobre os sentimentos dele, nem validar a forma como lida ou não com os espinhos da profissão.
O que vou escrever é sobre críticas respeitosas. Nasceu uma ideia, muito perigosa por sinal, de que para o debate ser "civilizado" é preciso que seja respeitoso. O estranho, é que essa máxima sempre aparece nos piores momentos. Das poucas coisas que sei, todas são permeadas pela minha visão de mulher, branca, classe média e muito privilegiada. Dessa forma, dificilmente tomo a palavra por qualquer tipo de minoria, visto que sempre estive dentro das " boas" estatísticas, e não daquelas que citam mortes, humilhações ou tragédias.
Mas hoje, vou falar sobre uma coisa da qual entendo um pouco: mulheres. E principalmente, a ideia de que, para rebater qualquer argumento que nos fira, ou fira o movimento feminista, precisamos ser, acima de tudo, educadas. Não preciso lamber suas feridas, Paulo Germano, antes de te dizer que você falou coisa errada. Você pegou um aspecto pequeno da personalidade de uma mulher gigante, e sem notar, diminuiu a luta dela. A nossa luta.
Tudo bem, porque é normal dos homens fazerem isso. Já estamos acostumadas. "Homem só pode falar de feminismo quando elogia", vocês rebatem. Ora, mas que mentira. Homens podem falar o que querem e quando querem (tanto que já o fazem, e muito), mas precisam ter a casca grossa de aguentar o chumbo quando ele desce. E ele vai descer, das formas mais baixas e grosseiras possíveis. Não me recordo de ter jogado confete em cima de homem que "defende" feminismo, até porque a gente não precisa aplaudir ninguém que faz apenas sua obrigação, mas se alguém já fez tal coisa, não significa que todo movimento feminista se reuniu em uma grande conferência e em seu códice imprimiu a regra suprema de que só aceitaríamos elogios e nunca críticas.
Esse jogo de elogiar antes de criticar não funciona para quem, por anos e anos, sente na pele as diferenças dessa luta. Não vou sentar no chão enquanto essa polícia do politicamente correto passa para retirar os mortos e feridos. Não vou aplaudir PM, não vou bater nas costas de homem que faz o mínimo do que a decência espera quando o assunto são direitos iguais, e não vou falar baixo quando, pela milésima vez, vejo uma opinião que me machuca.
Sei que é difícil, na sociedade de hoje, não construir uma opinião sobre tudo e todos que nos rodeiam. Mas propagar essa opinião aos quatro ventos, bom, isso sempre foi e sempre será opcional. Podemos chegar com paus e pedras, ou com um discurso sedoso e rico em retóricas. Mas quando fincamos nossos dois pés nesse campo de batalha que é o debate de ideias, exigir que o interlocutor nos acaricie a face antes de dar o tapa, é realmente, a utopia de todo colunista.
Em resumo, para os homens que não entenderam: vocês podem ter a sua opinião sobre nós, mulheres. Sobre a forma como andamos, vestimos, amamos, trabalhamos, sentimos e lutamos. Mas vocês não precisam nos dizer o que pensam. Eu sei que isso é quase impossível de conceber, um lugar onde o homem não PRECISA se meter, nem opinar, muito menos "aconselhar carinhosamente", mas podem acreditar: essa dica vai poupar muitos cabelos brancos.
Sejam elogios ou muxoxos, não estamos interessadas. Nada disso nos ajuda em nossa luta e já estamos conformadas. Apenas, por favor, não espere que a cada pitaco dado, um texto assim, educado, seja escrito. Às vezes, infelizmente, é bem mais fácil mandar um "chega pra lá" ou um "ponha-se no seu lugar", afinal estamos ocupadas demais tentando mudar o mundo, o tempo todo, todos os dias.