Está no artigo 5º da Constituição Federal, aquele mesmo que diz que todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país são iguais perante a lei: "Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente". Há, porém, uma abissal contradição entre esse direito inquestionável assegurado pela Lei Maior e os bloqueios de trânsito que se multiplicam nas cidades brasileiras, protagonizados por grupos variados de manifestantes, por qualquer motivo e sem preocupação com as consequências e os danos causados a milhares de pessoas.
Por conta de interpretações equivocadas da lei e da leniência das autoridades, o direito à livre manifestação foi transformado no Brasil em salvo-conduto para interromper o tráfego, impedindo que outras pessoas se desloquem e cumpram seus compromissos. Nesse contexto, não são raros os episódios impactantes de ambulâncias presas em engarrafamentos, ônibus com trabalhadores obstaculizados e de cidadãos que perdem consultas médicas, negócios, aulas e viagens pré-agendadas.
O mais contraditório desses protestos focados no trânsito é que eles, invariavelmente, despertam antipatia e revolta dos atingidos, independentemente da causa defendida. Servem, unicamente, para dar visibilidade aos manifestantes - o pior tipo de visibilidade, de pessoas que desconsideram seus semelhantes. Representam, acima de tudo, um desafio para os regimes democráticos, que têm o dever de manter a ordem pública mas não podem ceder às pressões dos setores incomodados por repressão mais enérgica aos excessos cometidos por alguns manifestantes. Manter a ordem pública é uma obrigação do poder constituído, de preferência com prevenção e diálogo - mas também com firmeza e eficiência, quando necessário.