As demonstrações públicas de rechaço ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, manifestadas em gabinetes do Congresso e até mesmo em festas juninas de Brasília, dão uma dimensão do risco de conflito entre poderes com as delações envolvendo líderes influentes, muitos dos quais ligados ao atual governo. Assim como já havia ocorrido com o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), quando se transformou em alvo de acusações, agora foi a vez de o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reagir. Depois de ter sido acusado de tentar barrar o avanço da Lava-Jato, o senador decidiu manter em suspense um pedido de impeachment do procurador-geral. Essas e outras reações de políticos de diferentes partidos à força-tarefa da Lava-Jato são previsíveis por partirem de quem sempre se achou acima da lei, mas não podem ser toleradas.
Conflitos entre homens públicos envolvidos com denúncias de corrupção e os responsáveis pelas investigações não chegam a constituir novidade. Líderes do PT – partido que antecedeu o PMDB antes da ascensão ao poder de Michel Temer, agora também levado ao constrangimento de revidar acusações – têm denunciado perseguição por parte do juiz Sergio Moro, responsável pelo comando da Lava-Jato. O que se percebe agora é algo mais articulado, com o objetivo de fragilizar o combate à corrupção. A sociedade precisa reagir a esse espírito de corpo de políticos poderosos determinados a desqualificar operações anticorrupção, particularmente a atuação do Ministério Público Federal, com ênfase no procurador-geral.
É previsível que, ao envolverem verdadeiros caciques do partido atualmente no poder, investigações sobre malfeitos esbarrem em obstáculos consideráveis. Decisões como a do Supremo Tribunal Federal (STF) de negar o pedido de prisão de líderes peemedebistas e de anular provas, como parte de uma gravação entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente afastada Dilma Rousseff, dão munição a quem vem se sentindo acuado pelas investigações. O fato concreto é que, se há excessos em alguma etapa das apurações, é preciso que sejam corrigidos no foro e no momento adequados.
Delações não podem ser tomadas como verdade. É imprescindível também que os limites constitucionais sejam sempre obedecidos à risca. Uma eventual crise entre poderes, como a que estaria sendo criada agora, só interessaria a quem quer fugir de explicações coerentes diante de denúncias. Por isso, as investigações precisam ir adiante, independentemente do poder de influência de quem tiver agido contra os interesses do país valendo-se de cargos para embolsar dinheiro público.