Velho Chico é deslumbrante, com fotografia e enquadramentos cinematográficos, cores exuberantes e uma história shakespeariana que funciona. O melhor é sua trilha sonora. Nunca a televisão brasileira mostrou canções tão qualificadas em uma única novela. Bethânia, Wisnik, Ná e Caetano, sem falar na participação ao vivo de Xangai, emprestam suas vozes para qualificar, como nunca antes, a teledramaturgia nacional. Velho Chico revigora o gênero e acerta em cheio.
Sarah Kane, a dramaturga inglesa que se suicidou aos 28 anos, interrompeu precocemente uma trajetória contundente. Ela é a figura central de Cadarço de Sapato, encenação dirigida por Eduardo Kramer, que mescla, em roteiro inspirado, trechos de suas cinco obras conhecidas. Desde que vi em Paris a montagem de seu texto mais famoso, Psicose 4:48, com Isabelle Huppert estática nas quase três horas do espetáculo, os seres erráticos da autora, a borda de precipícios e colapsos, me lembram criaturas de Lupicinio Rodrigues. Os "pobres moços" de Sarah, mergulhados no inferno à procura de luz, autorizam a aproximação desses universos distantes mas paralelos. Na Sala Álvaro Moreyra.
O judeu ucraniano Vassili Grossman firmou-se como um dos escritores essenciais do século 20. Quando devorei Vida e Destino, tive a certeza de que estava lendo um dos livros da minha vida. O mesmo acontece agora com A Estrada. Contos, reportagens e cartas comoventes. Sua descrição sobre o campo de Treblinka é extraordinária, suas cartas dirigidas à mãe, morta pelos nazistas, também.
Esperei meses para ouvir O Homem Bruxa, disco de André Abujamra que não encontrava em lugar nenhum. Ainda bem que não desisti. Letras quilométricas, arranjos de primeira. O filho de Abu não nega o talento herdado do pai. Singular e original, cada um de seus discos é uma bênção. Este também.
Uma novela, uma peça de teatro, um livro e um disco, provocantes e criativos, mostram que cultura é sempre estratégica e insubstituível. O pulso ainda pulsa.