O senador Bernie Sanders é, aos 74 anos, a surpresa da pré-campanha à presidência dos Estados Unidos. Sanders define-se e age como político de centro-esquerda e ataca a ganância do mundo financeiro e os defeitos do capitalismo, coisas que os americanos não gostam muito de abordar.
Em debate recente, o democrata disse que a questão que o atormenta é "o colapso da classe média". Nenhum candidato brasileiro chegaria a esse nível de sinceridade. Ninguém se apresentaria preocupado com os dramas da classe média, quando tudo que se fala aqui é, genericamente, pelo povo e em nome do povo. Classe média é palavrão no Brasil.
Ex-miseráveis, pobres, remediados, nova classe média - todos estão alarmados com a degradação econômica agravada pela crise política. E empobrecem na medida em que o confronto ameaça destruir não só o governo, mas a economia, porque esse é o grande projeto da oposição.
Os mais deprimidos pela ausência de perspectiva imediata de recuperação de confiança, de poder de compra e de autoestima são os sobreviventes da velha classe média. A classe média esculachada por Marilena Chauí, que a considera conservadora, interesseira e indecisa politicamente, perdeu o pai e a mãe.
A classe média, que gestou as utopias da esquerda, que ergueu e sustentou o petismo e há pelo menos uma década não sabe o que fazer com suas demandas e palpitações, entrou em colapso.
Não consegue pagar a faculdade do filho, tira o adolescente da escola particular, planeja abandonar o plano de saúde, corta a TV a cabo, desliga o ar-condicionado, volta para o carro 1.0, vê seu FGTS ser transferido para empreiteiras em nome de obras ditas sociais, paga cada vez mais Imposto de Renda e se pergunta sobre quem, afinal, a representa.
Que parentesco essa classe média ainda tem com aquela classe média da resistência à ditadura, da redemocratização e dos caras-pintadas? O que sobrou dos projetos progressistas dessa classe média frustrada e empobrecida?
Em abril, o novo presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Jessé Souza, anunciou a realização de um estudo para decifrar o Brasil. Disse que há muito não se tenta entender o que é e o que quer o brasileiro. E falou do que, vai e volta, só os sociólogos falam - falou de classe sociais. Disse que pretendia fazer um "estudo compreensivo sobre as classes sociais" e que "a sociedade brasileira sempre fez política para a classe média".
Estudos baseados em estatísticas ajudam a decifrar o país, mas são insuficientes para entrar na cabeça dos atormentados de hoje. O que se passa na cabeça da classe média brasileira?
Que sentimento de abandono atormenta os que já não sabem quem, por delegação política, fala em seus nomes? Que posição ocupam nas hierarquias da classe média questões consagradas por seu ativismo, como distribuição de renda, políticas afirmativas, ética e diversidade?
A classe média perdeu o ânimo. As alianças pelo poder, a corrupção, o desencanto com a militância, a crise econômica, o estresse político, tudo a confronta com o esboroamento das suas mais caras ilusões.
Alguém que, aos de 19 anos, em 1992, ajudou a derrubar Collor tem hoje 42. Pode até estar desejando a queda de Dilma, mas sabe que os tucanos não têm ombros para carregar seus sonhos, que a direita tenta de novo vampirizar suas desconfianças e que talvez o Brasil mereça mesmo alguém com as provocações de um Bernie Sanders.