Na manhã do domingo passado, quando li a respeito do fogo ateado ao senegalês e senti meu fim de semana azedar, escrevi o seguinte post no Facebook, com certa repercussão: "1) Gente se mata... e por causa de futebol! / 2) Servidores têm salários fatiados, endividando-se e não conseguindo dar conta dos compromissos mais comezinhos. / 3) A insegurança pública faz nos sentirmos em estado de sítio, pela ausência dos poderes públicos no que é mais básico. / 4) E agora tacam fogo num refugiado senegalês em Santa Maria, não por acaso a cidade que fica no coração gaúcho. Resta a pergunta: com que legitimidade, daqui a uma semana, encheremos os pulmões para cantar que nossas façanhas devem servir de exemplo a toda terra?! #vergonha!!!"
Pois bem. Teríamos tudo para sentir orgulho, e não vergonha. Escrevi isso que reproduzi acima e saí, acompanhado do meu filho, para apoiar o Grêmio na Arena, como faço sempre que possível. Percorri as ruas arborizadas desta bela cidade onde nasci e vivi os momentos essenciais da minha existência. Senti um mal-estar, aquela bola que a angústia forma na garganta, ao pensar no senegalês. A Porto Alegre do céu azul naquele domingo, contrastando com as árvores de ruas floridas, da Arena, do Parcão, do Beira-Rio, do Centro Histórico, do Iberê, do Guaíba, do Bom Fim, do mate na Redenção... Não merecíamos isso. Deveríamos, sim, gritar nossas façanhas, orgulharmo-nos deste Estado que tem o privilégio de unir as culturas brasileira e platina. Lembro frequentemente de 1998, ano em que voltei do período de sete meses em que fui correspondente da Folha de S. Paulo em Buenos Aires e depois segui quase diretamente para mais 40 dias de cobertura da Copa do Mundo na França, em Paris, Nantes e Marselha. É ao retorno que me refiro: que acolhedora achei nossa cidade ao voltar pra minha casa! Se você já passou um período fora, deve ter experimentado essa sensação. É aconchegante.
Quando cheguei à minha maravilhosa Arena e estacionei o carro, olhei a ponte que conecta Capital e Interior pela Rodovia do Parque. Pensei nos vales, na Serra, na fronteira, no churrasco farto, no pastel com café. Sei que está difícil. Que andamos com medo nas vias citadas acima. Mas não chegou a hora de pavimentar o caminho que leve às nossas origens multiétnicas e a nossas belezas que tradicionalmente tanto nos produziram o sentimento de pertencimento e orgulho? Que façamos deste 20 de Setembro um momento de reflexão sobre nossos rumos.
Artigo
Léo Gerchmann: reflexões no 20 de Setembro
Artigo publicado na edição deste sábado
Léo Gerchmann
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