Por Ricardo Gandour, jornalista e membro do Conselho Editorial da RBS
A cobertura de fatalidades e eventos trágicos é sempre um desafio a mais para o jornalismo, por exigir o equilíbrio entre duas abordagens conceitualmente antagônicas: a solidariedade e o distanciamento.
A primeira, um necessário estado de espírito: com rapidez e precisão, levar ao público, com imagens, sons e textos, a real dimensão do ocorrido, as vítimas, a situação de cidadãos e de suas famílias, captando e transmitindo o martírio e os danos aos envolvidos, direta e indiretamente. Participar do clamor, sofrer e emocionar-se junto com seus leitores, ouvintes e espectadores, ao mesmo tempo que presta serviço, orientando e convocando ajudas de toda espécie e origem. Quando o veículo jornalístico está inserido na comunidade em que os fatos acontecem, proximidade e solidariedade se misturam e se nutrem mutuamente.
Quando o veículo jornalístico está inserido na comunidade em que os fatos acontecem, proximidade e solidariedade se misturam e se nutrem mutuamente.
O distanciamento aparece nos momentos seguintes. Aqui não se trata de estado de espírito, mas dos métodos que caracterizam a prática do jornalismo profissional. É preciso distanciamento para apurar as causas, as responsabilidades, os motivos. Essa abordagem por vezes poderá ser confundida com frieza, mas será um sentimento inevitável, pois apenas causas apuradas com clareza e precisão poderão contribuir para evitar desastres semelhantes no futuro.
Em casos de ocorrência mais curta, essas duas abordagens se percebem de forma bem nítida. Tome-se, por exemplo, um incêndio ou o desabamento de um edifício. Primeiro, transmite-se o choque, a desolação, contam-se as vítimas, choram-se os mortos. Passadas as labaredas e a poeira, discutem-se as causas, apuram-se as responsabilidades.
O que dizer de uma tragédia de dimensões como a que afetou e ainda afeta o Rio Grande do Sul, em que essas duas etapas de cobertura se prolongam e se misturam? Como manter, em paralelo, o “sofrer junto”, prestando serviço e ajudando, e a essencial cobrança por esclarecimentos, medidas e providências práticas?
Como membro paulista do Conselho Editorial da RBS, cumprimento as equipes de todos os veículos deste grupo por terem conseguido, desde 29 de abril, data das primeiras notícias de volumes de chuvas sem precedentes, manter uma cobertura de alto nível em todos os aspectos. A celebração dos 60 anos e a estreia de produtos redesenhados foram adiadas e repensadas, com a solidariedade e o distanciamento necessários, em prol de uma cobertura que – como diz um antigo clichê das redações – não tem hora para terminar.
Pra cima, Rio Grande!