Por Anik Suzuki, jornalista e membro do Conselho Editorial da RBS
Há algumas semanas, aprofundei-me na história do queniano Eliud Kipchoge, considerado o maior maratonista de todos os tempos. Eu queria citá-lo em um seminário para lideranças, no qual falaria sobre feitos extraordinários que nos proporcionam realizar sonhos e superar marcas, mas nos exigem na mesma proporção.
Por si só, a rotina das redações é não ter rotina, pois os fatos não fazem agendamento prévio
Eliud é bicampeão olímpico (Rio 2016 e Tóquio 2020), campeão mundial em longas distâncias e vencedor das maratonas de Londres, Chicago, Berlim e Tóquio. Em Berlim, ele não apenas venceu as maratonas de 2018 e 2022, mas estabeleceu novos recordes mundiais: na primeira, completou os 42,195 quilômetros em 2h1min39s e, na segunda, superou a si mesmo, completando a prova em 2h1min9s. Em 2019, em uma prova não oficial realizada em Viena, na Áustria, Eliud superou o que até então era considerado o limite humano para maratonas e se tornou o primeiro homem a completar o percurso em menos de duas horas: 1h59min40s.
Ao pesquisar sobre ele, percebi que quando fala de si, Eliud valoriza menos as marcas alcançadas e dá mais ênfase à jornada. Ele demonstra orgulho e gratidão pelo caminho. Costuma falar sobre os fatores de sucesso que o trouxeram até aqui: autodisciplina, pensamento positivo, consistência, acreditar em si mesmo e, o que mais me chamou atenção, estar confortável na zona de desconforto: “aceitar a mudança e habituar-se a ela”.
O que me faz pensar que poucas atividades se conectam de maneira tão forte com esse tema como o jornalismo. Por si só, a rotina das redações é não ter rotina, pois os fatos não fazem agendamento prévio. Mas me refiro às intensas mudanças geradas pela transformação digital, pelos novos hábitos e interesses dos públicos e, mais recentemente, pela inteligência artificial (IA). Os jornalistas, acreditem, estão em constante zona de desconforto, e, assim como Eliud, muitos se sentindo confortáveis, estimulados e dispostos a pagar o preço de viver esta revolução.
Esse brilho no olho nasce da crença de que estamos vivendo um tempo em que nos é possível superar o limite humano também no jornalismo profissional: a união de forças entre a velocidade e a capacidade da IA generativa (sim, é incrível, mas ainda depende de nós para receber os inputs) com a nossa potência criativa, nosso talento, nossa empatia e nossa capacidade de construir o futuro. Minha visão é de que vem aí um jornalismo ainda melhor, o que também é uma ótima notícia para todos nós.