Por Ricardo Gandour, jornalista e membro do Conselho Editorial da RBS
A atitude de alguns empresários e especialistas de pedir “um tempo” – seis meses, no caso – nas pesquisas e nos desenvolvimentos em torno do ChatGPT, o mais emblemático produto da chamada inteligência artificial (IA), traz à tona um conceito: o mundo se move aceleradamente pelas vias digitais, mas as principais decisões da humanidade ainda se pautam por encaminhamentos analógicos.
O alerta, divulgado na semana passada no site do instituto Future of Life, questiona se as máquinas poderão vir a inundar nossos canais de informação com “notícias” artificiais e mentiras. E vai além, analisando o impacto da possível automatização de muitas tarefas em trabalhos de naturezas diversas – o que pode ocorrer também nas redações jornalísticas.
A internet mexeu fortemente com as duas principais variáveis da humanidade: o tempo e a distância
O assunto foi tema da recente edição do festival SXSW, evento de inovação e tecnologia realizado na cidade texana de Austin, nos Estados Unidos. Lá, Greg Brockman, presidente da OpenAI, a criadora do ChatGPT, se disse um “otimista realista”, mas acrescentou: “não vai ser perfeito, teremos problemas”. A pesquisadora do futuro e professora da New York University Amy Webb foi além, pontuando que a IA pode causar um abismo social entre os que terão ou não acesso ao “letramento” nessas novas tecnologias.
No tal manifesto, os especialistas e empresários argumentam que certas decisões “não devem ser delegadas a líderes tecnológicos não eleitos”. E defendem que a pausa seja usada para que se desenvolvam técnicas para discernir o que é real do que é artificial, com “riscos de perturbação política e econômica” – inclusive para a democracia.
O SXSW também analisou o impacto nas redações, na moderação de conteúdos e nas atividades de curadoria de uma forma geral. Análises de dados, comparações, análises e até descrição de imagens fotográficas poderão vir a ser realizadas por esses novos programas computacionais. Mas em todos os painéis sobre o tema as discussões convergiram para um ponto: o olhar humano será ainda mais essencial nesses novos cenários. Senão, alertam, o universo da fabricação de fake news será habitado por esses sofisticados mecanismos – se é que já não é.
A internet mexeu fortemente com as duas principais variáveis da humanidade: o tempo e a distância, duas dimensões absolutamente analógicas. Há uma outra: o bom senso. É isso que move o clamor dos empresários e especialistas ao pedir “um tempo”. Tempo para pensarmos, para refletirmos. Quem viver, verá.