
O governo do presidente argentino Javier Milei anunciou a suspensão do sigilo dos documentos de inteligência da ditadura militar, nesta segunda-feira (24). A decisão foi oficializada na celebração do Dia Nacional da Memória, que marca o início da ditadura militar argentina, que aconteceu há 49 anos.
Segundo órgãos defensores dos direitos humanos, o regime que durou entre 1976 e 1983 deixou cerca de 30 mil desaparecidos. Como em todos os anos, as organizações de direitos humanos marcham na Plaza de Mayo com o apoio dos sindicatos pelo Dia da Memória.
Segundo o porta-voz da presidência, Manuel Adorni, todos os documentos vinculados às Forças Armadas no período da ditadura, ou relacionados ao período de alguma forma, serão públicos.
— Em nosso compromisso inabalável com os direitos humanos, contar a história completa é crucial — afirmou Adorni.
Como acontece
A decisão obedece a um decreto de 2010, durante a presidência de Cristina Kirchner. Embora tenha sido emitido há 15 anos, nunca foi "totalmente implementado", de acordo com o porta-voz.
Segundo a explicação, a medida implica na "transferência absoluta desses arquivos da Secretaria de Inteligência do Estado para a órbita do Arquivo Geral da Nação, o órgão responsável pela conservação e consulta de documentos históricos".
— O que ocorreu no passado deve estar nos arquivos da memória, não nos arquivos de inteligência — disse Adorni, que continua:
— Os arquivos agora estão a serviço da memória e não da manipulação política.
Equiparação de crimes
O governo de Milei defende o que chama de "memória completa" do que aconteceu durante a última ditadura, equiparando os crimes das forças armadas aos dos guerrilheiros. No mesmo sentido, o presidente argentino também anunciou que vai enviar um projeto de lei para declarar como inafiançáveis os crimes cometidos pelas guerrilhas durante a ditadura.
Diversas organizações de direitos humanos criticaram a decisão de equiparar os crimes do regime ditatorial com os de civis opositores, sob o risco de servir de justificativa para a repressão.
— A única coisa que o governo deveria pedir para quebrar são os pactos de silêncio dos genocidas — disse o ativista Carlos Pisoni, do grupo que reúne filhos de pessoas desaparecidas durante a ditadura.
— A maioria das pessoas que o governo gostaria de julgar por esses casos de homicídios cometidos pelas guerrilhas foram desaparecidas, torturadas e assassinadas — disseram funcionários do Espaço Memória e Direitos Humanos da Escola de Mecânica Naval da Argentina (ESMA).
Caso do capitão Humberto Viola
Como consequência desta política, o governo argentino também anunciou o reconhecimento do ataque do Exército Revolucionário Popular (uma guerrilha que atuou contra a ditadura) à família do capitão argentino Humberto Viola como crime contra a humanidade ante à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A ação dos guerrilheiros aconteceu em 1º de dezembro de 1974, em Tucumán, quando o grupo bloqueou o carro em que o capitão viajava com a família e iniciou uma troca de tiros. O capitão estava com a esposa e duas filhas pequenas. O capitão e a filha mais nova, de três anos, foram mortos.
A viúva de Viola recorreu à CIDH em 2016 para que o caso fosse considerado crime contra a humanidade. Em 2022, a Secretaria de Direitos Humanos da Argentina, administrada pelo governo de Alberto Fernández, rejeitou a tese. Entretanto, o caso foi revisto por decisão do atual presidente.
— Para Milei, o assassinato do capitão Viola e de sua família constituiu um crime contra a humanidade — anunciou Adorni.