O conflito na Síria teve início em 2011, durante a Primavera Árabe, mas ganhou novo fôlego nos últimos dias, após uma ofensiva surpresa dos insurgentes no final de novembro. No domingo (8), as forças rebeldes declararam que o ditador Bashar al-Assad deixou Damasco rumo a Moscou, conforme reportaram agências de notícias russas. As informações são do portal g1.
Os rebeldes, liderados pelo movimento extremista Hayat Tahrir al-Sham (HTS), avançaram rapidamente, encontrando pouca resistência do Exército sírio. Entre sexta-feira (6) e sábado (7), tomaram Aleppo, Homs e chegaram à capital, Damasco.
O HTS, também chamado de Organização para a Libertação do Levante, tem raízes na Al-Qaeda, grupo terrorista responsável pelos atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. O movimento insurgente começou em 2011 como uma revolta pacífica e pró-democracia contra Assad, mas acabou se transformando em uma guerra civil de grandes proporções, devastando o país e atraindo potências regionais e globais.
A repressão violenta de Assad aos protestos gerou forte pressão internacional para sua saída, mas também mergulhou a Síria no caos da guerra civil, ameaçando a sobrevivência de seu regime. Em 13 anos de conflito, cerca de 500 mil pessoas morreram, incluindo 200 mil civis, e 12 milhões foram forçadas a deixar suas casas, com cerca de 5 milhões buscando refúgio ou asilo no Exterior.
Apesar disso, Assad consolidou sua posição com apoio militar de aliados como Rússia, Irã e o grupo xiita libanês Hezbollah. Mesmo uma década após o início dos protestos, ele manteve-se no poder, embora partes do território sírio permanecessem sob o controle de forças diversas, como grupos curdos, jihadistas e tropas turcas.
Quem é Bashar al-Assad?
Bashar al-Assad, 59 anos, é o presidente da Síria e sucedeu o pai, Hafez al-Assad, que governou o país por três décadas após um golpe de Estado em 1971.
Nascido em 11 de setembro de 1965, em Damasco, Assad pertence à família alauita, uma minoria religiosa xiita na Síria. Ele se formou em Medicina e especializou-se em oftalmologia, cursando uma pós-graduação em Londres.
O destino político de Bashar mudou em 1994, quando o irmão mais velho, Basil al-Assad, considerado o sucessor natural de Hafez, morreu em um acidente de carro. Após essa tragédia, Bashar foi preparado para assumir o controle da família e do regime.
Em 10 de junho de 2000, aos 34 anos, foi declarado presidente pelo parlamento, após um referendo em que obteve 97,29% de aprovação. Posteriormente, renovou seu mandato em 2007, com 97,62% dos votos, e foi reeleito para um terceiro mandato em 2014, durante a guerra civil síria. Nessa última eleição, a votação foi limitada às áreas sob controle do governo.
Por que Assad perdeu força?
A explicação reside no envolvimento dos maiores aliados em outros conflitos internacionais. Durante a guerra civil, Bashar al-Assad contou com o apoio da Rússia, do Irã e da milícia libanesa Hezbollah para derrotar os rebeldes e manter o controle sobre a maior parte da Síria. No entanto, o cenário mudou drasticamente.
Atualmente, a Rússia está concentrada na guerra contra a Ucrânia, enquanto o Irã enfrenta tensões e conflitos com Israel. O Hezbollah, por sua vez, sofreu grandes perdas em 2024, incluindo a morte de comandantes em ataques israelenses. Essa conjuntura reduziu significativamente o apoio direto ao regime de Assad.
No sábado (7), uma reunião no Catar contou com representantes de Rússia, Turquia e Irã, que apelaram por diálogo entre o governo sírio e as forças opositoras. No entanto, o chanceler russo, Sergei Lavrov, deixou claro que as negociações não devem incluir o grupo extremista Hayat Tahrir al-Sham (HTS):
— É inaceitável permitir que um grupo terrorista assuma o controle de territórios — afirmou Lavrov, conforme relatado pela agência Tass.
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, que tomará posse em janeiro, também indicou que a guerra na Síria não é prioridade para seu governo:
— A guerra da Síria não é um problema dos americanos e seu governo não vai se envolver.
Qual é o paradeiro de Assad?
O governo russo confirmou nesta segunda-feira (9) que o país concedeu asilo político ao ditador sírio deposto no final de semana, Bashar al-Assad, e sua família. No domingo, a agência russa Tass havia informado que Assad está em Moscou, capital do país.
A Rússia afirmou, ainda no domingo, que o ditador sírio "deixou seu país e ordenou uma transição pacífica de poder".
Qual é o principal grupo rebelde?
O Hayat Tahrir al-Sham (HTS) lidera as forças rebeldes e é considerado uma organização terrorista pelos Estados Unidos e pela ONU. Sob a liderança de Abu Mohammed al-Golani, o grupo emergiu como uma extensão da Al-Qaeda na Síria, durante os primeiros meses da guerra civil, em 2011.
A entrada do HTS no conflito representou um marco, transformando a revolta inicial, baseada em protestos pacíficos da Primavera Árabe, em um conflito armado de grandes proporções. Nos últimos anos, o HTS tem buscado se reposicionar, promovendo uma imagem de governo civil nos territórios sob seu controle. Em 2016, o grupo rompeu oficialmente os laços com a Al-Qaeda.
Abu Mohammed al-Golani também reprimiu grupos extremistas em suas áreas e adotou políticas de convivência religiosa. Em 2023, o HTS permitiu a realização da primeira missa cristã em anos na cidade de Idlib, marcando um esforço para se mostrar como defensor das minorias religiosas.
Quem são os outros atores na guerra civil?
- Hezbollah: milícia xiita libanesa, aliada do Irã, que lutou ao lado do regime de Assad durante a guerra civil. Atualmente, o Hezbollah deslocou forças para Homs, onde enfrenta o HTS.
- Estado Islâmico (EI): em 2014, o EI declarou um califado que abarcava partes da Síria e do Iraque. Hoje, o grupo perdeu o controle territorial na região e não desempenha papel relevante nos combates atuais.
- Estados Unidos e Israel: ambos conduzem ataques ocasionais contra forças do governo sírio e milícias aliadas ao Irã. Os EUA mantêm cerca de 900 soldados no nordeste da Síria para evitar o ressurgimento do Estado Islâmico.
- Turquia: o país mantém forças na Síria e apoia algumas facções rebeldes.
- Curdos: controlam áreas no nordeste da Síria através das Forças Democráticas Sírias (FDS). Apesar de serem aliados dos EUA, têm conexões com o PKK, considerado uma organização terrorista por países ocidentais. Recentemente, as FDS reivindicaram o controle da cidade de Deir al-Zor, no leste do país.
Por que o conflito recomeçou?
O diplomata Robert Ford, último embaixador dos EUA na Síria antes do rompimento das relações diplomáticas entre os dois países, aponta três fatores que permitiram aos rebeldes retomar a iniciativa no conflito:
- Ataques de Israel ao Hezbollah na Síria: Israel tem realizado ataques há meses contra alvos do Hezbollah no território sírio. Apesar de ser um grupo extremista libanês, o Hezbollah atua frequentemente ao lado de aliados, como Bashar al-Assad, em conflitos no Oriente Médio.
- Cessar-fogo no Líbano: A trégua estabelecida na semana passada entre Israel e o Hezbollah no Líbano reduziu temporariamente a pressão sobre o grupo extremista.
- Guerra na Ucrânia: A Rússia, principal apoiadora internacional de Assad, está com recursos e atenção focados em sua guerra contra a Ucrânia, diminuindo sua capacidade de intervenção na Síria.
Por que a tomada de Aleppo foi tão importante?
Aleppo, uma cidade historicamente na encruzilhada de rotas comerciais e impérios por milhares de anos, é um dos grandes centros culturais e econômicos do Oriente Médio. Antes da guerra, abrigava 2,3 milhões de pessoas.
Em 2012, os rebeldes assumiram o controle da parte leste da cidade, transformando-a em um símbolo do avanço das forças opositoras ao regime de Assad. No entanto, em 2016, as forças governamentais, apoiadas por ataques aéreos da Rússia, sitiaram Aleppo. Projéteis russos, mísseis e bombas de barril — contêineres recheados com explosivos e metal — devastaram bairros inteiros.
Sem suprimentos e enfraquecidos, os rebeldes acabaram se rendendo. A entrada da Rússia no conflito foi o ponto de virada que consolidou o controle de Assad sobre o território que ainda dominava.
Em 2024, ataques aéreos israelenses atingiram Aleppo novamente, focando em depósitos de armas do Hezbollah e forças sírias, conforme relatado por um grupo independente de monitoramento. Israel raramente reconhece publicamente esses ataques, mesmo quando ocorrem em áreas sob controle do governo sírio.
Na semana passada, membros do grupo HTS lançaram ataques ao norte e noroeste de Aleppo. Nos dias 29 e 30, invadiram a cidade e forçaram a saída das forças governamentais.
Quem governará a Síria agora?
Hind Kabawat, professora síria do Centro para Religiões, Diplomacia e Resolução de Conflitos da Universidade George Mason, afirmou à Al-Jazeera:
— Hoje (domingo) estamos celebrando, mas amanhã (segunda-feira) começaremos o trabalho duro. Temos que trabalhar juntos para construir um governo democrático. Essa transição só pode ser feita e decidida pelos sírios, mas precisamos do apoio de todo o mundo.
Os rebeldes que reivindicam a vitória em Aleppo são liderados pelo HTS, um grupo de origem sunita.
Em discurso feito em uma mesquita em Damasco, sob aplausos de uma plateia majoritariamente masculina, o líder do HTS, Mohammed al-Golani, declarou:
— Uma vitória para a nação islâmica.
Apesar disso, Golani afirmou que protegerá as minorias religiosas, respondendo a temores de que um governo liderado pelo HTS possa restringir direitos das mulheres e perseguir adeptos de outras religiões.
Golani, entretanto, não apresentou detalhes sobre como será o novo governo. Não esclareceu se o HTS pretende governar sozinho ou formar alianças com outros grupos rebeldes e opositores ao regime de Assad. Ele também não mencionou a possibilidade de eleições.
Horas antes do discurso, em uma manifestação escrita, Golani afirmou que o atual primeiro-ministro da Síria, Mohammed Ghazi al-Jalali, permanecerá no cargo até que a transição para o novo regime seja concluída.