O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu neste domingo (10) que o G-20 deixe de concentrar suas discussões sobre assuntos como a guerra na Ucrânia e evite a divisão interna, uma situação flagrante que domina os trabalhos do grupo das principais economias do mundo desde o ano passado.
— Não podemos deixar que questões geopolíticas sequestrem agenda de discussões de várias instâncias do G-20. Não nos interessa um G-20 dividido. Só com uma ação conjunta podemos fazer frente aos desafios de nossos dias. Precisamos de paz e de cooperação em vez do conflito — afirmou Lula no seu discurso final da Cúpula em Nova Délhi, na Índia.
O discurso de Lula ocorre num cenário de disputas geopolíticas polarizadas pelos Estados Unidos e pela China e potencializado pela guerra entre a Rússia e Ucrânia.
A oposição entre interesses de países ocidentais, organizados por meio do G-7 e aliados, e o alinhamento de chineses e russos marcou e com frequência travou as discussões e deliberações do G-20 indiano, como vinha ocorrendo também durante a presidência da Indonésia, em 2022.
O discurso de Lula reflete ainda a agenda internacional pregada por ele nos últimos meses, que tem atraído críticas dentro e fora do Brasil.
Essa política é marcada por um não alinhamento à guerra na Ucrânia, por vezes entendido como um apoio tácito à Rússia, e o questionamento do dólar como base do comércio internacional, em um aceno ao protagonismo chinês.
No sinal mais recente desse alinhamento ao bloco antiocidental, Lula disse na Índia que conta com a presença do líder russo Vladimir Putin na cúpula do G-20 do ano que vem, no Brasil. Putin tem contra si um mandado de prisão internacional para responder no Tribunal de Haia por crimes de guerra. Segundo Lula, no entanto, o presidente russo não será preso se pisar no País.
Como signatário do Tratado de Roma, o País teria de entregá-lo ao TPI. Na recente cúpula do Brics na África do Sul, Putin evitou uma viagem ao país africano, que também é signatário do tratado.
Referência às vítimas das enchentes no RS
Criticado por manter a viagem à Índia para participar da reunião de líderes do grupo das 20 maiores economias do globo (G20) e não visitar locais de enchente no Rio Grande do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também mencionou a tragédia causada no Estado em seu primeiro discurso na cúpula.
Na sua fala de encerramento, o presidente voltou a citar a tragédia no Estado, reforçando a ideia de que a natureza precisa de mais cuidados. A última sessão do grupo foi feita neste domingo (10).
Decisões coordenadas
O G-20 é historicamente um organismo criado para discussões e decisões coordenadas, entre países ricos e emergentes, de cunho econômico e financeiro. Mas há grupos técnicos de trabalho e interação entre ministros de diversos setores, como Saúde, Turismo, Educação, Ciência, entre outros.
Segundo fontes do governo brasileiro, esses trabalhos passaram a ser dominados pela discussão sobre a guerra na Ucrânia, deflagrada em fevereiro do ano passado, por uma invasão militar russa. Países aliados de Kiev colocaram o assunto na agenda de forma permanente e chegaram a conseguir uma declaração final dura que condenava a ação da Rússia e cobrava sua retirada na Ucrânia. Agora suavizada na edição de Nova Délhi.
A ausência dos presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping, foi sentida na 18ª Cúpula de Líderes do G-20. Diplomatas que atuam no G-20 entenderam o recado como uma forma de tirar o peso político do evento e demonstrar que as deliberações seriam fragilizadas e que o bloco tende a perder relevância.
Mundo Justo e Planeta Sustentável
Ao receber o comando simbólico do grupo para a organização da cúpula brasileira em 2024, Lula anunciou na Índia que o País adotou como lema "Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável".
O premiê indiano, Narendra Modi, passou a Lula o martelo que simboliza o poder. Na prática, o Brasil assumirá por um ano a coordenação dos trabalhos. A data começa em 1º de dezembro, seguindo o calendário da organização. O país sediará em 18 e 19 de novembro de 2024 a cúpula de líderes no Rio de Janeiro. Lula disse que o governo promoverá reuniões de trabalho nas cinco regiões.
Lula disse que orientou sua equipe a organizar o G-20 de forma que as "trilhas" — como são conhecidos os grupos técnicos — de finanças e de política trabalhem de forma integrada e coordenada:
— Não adianta acordarmos a melhor política pública se não alocarmos recursos necessários para implementação.
Ele também defendeu que haja mais espaços para que a sociedade se manifeste e possa reportar aos representantes de governos suas recomendações.
O G-20 no Brasil adotará três eixos prioritários:
- Inclusão social e combate à fome
- Transição energética e desenvolvimento sustentável, nas vertentes social, econômica e ambiental
- Reforma das instituições de governança global
O presidente voltou a dizer que lançará duas forças-tarefas durante a coordenação brasileira dos trabalhos do G-20: a "Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza" e a "Mobilização Global Contra a Mudança do Clima".
— Se quisermos fazer a diferença temos que colocar a redução de desigualdades no centro da agenda internacional. Precisamos redobrar esforços para alcançar a meta de acabar com a fome no mundo até 2030, caso contrário estaremos diante do maior fracasso multilateral dos últimos anos — defendeu Lula.
O presidente enumerou alguns dos pontos-chave de reivindicação do Brasil, como a cobrança por efetiva entrega de dinheiro dos países ricos e industrializados para financiamento climático e a reforma das instituições financeiras e do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
— Agir para combater a mudança do clima exige vontade política e determinação dos governantes e também recursos e transferência de tecnologia. Queremos maior participação dos países emergentes nas decisões do Banco Mundial e do FMI. A OMC tem que ser revitalizada e seu sistema de solução de controvérsias precisa voltar a funcionar. Para recuperar força política, o Conselho de Segurança da ONU precisa contar com novos países em desenvolvimento entre seus membros permanente e não permanentes — disse Lula.