Os argentinos escolheram no domingo (13) os candidatos à Presidência nas primárias, em uma antecipação das eleições de outubro, nas quais a situação peronista e a oposição de direita vão se enfrentar, além do libertário antissistema Javier Milei, que se coloca "contra a casta política" e surpreendeu ao liderar a votação com 30,04% dos votos.
O que esta votação decide?
As primárias são realizadas na Argentina desde 2011. As coalizões apresentam seus candidatos e o mais votado de cada será o concorrente em outubro. O objetivo é eliminar eventuais disputas internas nos partidos e tirar da corrida as legendas nanicas — grupos com menos de 1,5% dos votos são impedidos de concorrer no primeiro turno.
A participação dos eleitores é obrigatória. Os resultados das primárias não têm influência sobre a eleição, mas dão indicativo do sentimento do eleitor.
— Nas primárias esperamos um voto muito visceral, emocional — explica a cientista política Paola Zubán.
Esta foi a primeira vez em que os eleitores das coalizões mais dominantes, a governista Unión por la Patria (União pela Pátria, peronistas) e a opositora Juntos por el Cambio (Juntos pela Mudança, centro-direita), tiveram de escolher entre dois aspirantes, já que nas eleições anteriores disputaram com um candidato único.
No Unión por la Patria, o candidato será o atual ministro da Economia, Sergio Massa. A aliança governista recebeu 27% dos votos, ficando em terceiro lugar. O pior resultado do peronismo desde que as primárias foram implementadas.
O segundo grupo com mais votos foi o Juntos por el Cambio, alinhado ao ex-presidente Mauricio Macri, com 28%. A candidata será a ex-ministra de Segurança Patricia Bullrich, que defende uma política de linha dura.
Como via alternativa e que ganhou força apareceu o candidato libertário e de extrema direita Javier Milei. Sem concorrente dentro de seu partido, o Libertad Avanza (Liberdade Avança), Milei liderou a votação com 30,04% dos votos.
As primárias também serviram para escolher os candidatos às eleições parciais na Câmara de Deputados e no Senado, assim como para a prefeitura da capital e o governo da província de Buenos Aires.
Três partes
As eleições de domingo, com participação de 69% dos mais de 35 milhões de eleitores, dividiram o eleitorado em três partes de peso similar.
As primárias deste ano abriram o processo eleitoral que marca os 40 anos desde a volta da democracia no país, o período mais longo da história da Argentina. E embora a população valorize as liberdades democráticas, demonstra certo ceticismo em relação à capacidade de atender seus problemas cotidianos, segundo pesquisas de opinião.
— Na Argentina há uma recessão democrática ou desafeição cívica. Há vários anos se acentua o desinteresse pela própria eleição. Há falta de entusiasmo. E nas primárias esperamos um voto muito visceral, emocional — explica a cientista política Paola Zubán.
Após anos de polarização, que os argentinos chamam de "grieta" (racha), esta eleição será a primeira sem os ex-presidentes Cristina Kirchner e Mauricio Macri, figuras emblemáticas da aliança peronista e sua opositora, Juntos por el Cambio.
— Para mim, as lideranças tradicionais estão esgotadas. Este governo foi ruim e o anterior, também — resume José Consiglio, advogado de 42 anos.
As eleições para escolher o substituto do presidente Alberto Fernández (peronista de centro esquerda) serão celebradas em 22 de outubro. Um eventual segundo turno está previsto para 19 de novembro.
Impacto da economia
Os argentinos votam em meio a um clima de deterioração econômica, com uma das taxas de inflação mais altas do mundo (115% em um ano) e uma pobreza que atinge 40% da população.
— A inflação é insustentável, mas não confio em ninguém para resolver um tema econômico desta proporção — diz à AFP Santiago Matos, estudante universitário de 18 anos.
A incerteza política se traduz em nervosismo nos mercados e se reflete na cotação do "dólar blue", como é chamada a taxa de câmbio informal que na semana passada ultrapassou a barreira psicológica dos 600 pesos por dólar, o dobro da oficial.
— Todos somos culpados. Não pode ser que vamos correndo comprar dólares. Os brasileiros, os paraguaios, ninguém usa outra moeda além da própria. Aqui até para orçar uma obra se usa o dólar como referência — comenta Carlos Reyes, eletricista de 66 anos.
A Argentina tem um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de US$ 44 bilhões (aproximadamente R$ 160 bilhões, em cotação da época), firmado em 2018 e renegociado em 2021.
Há duas semanas, Massa chegou a um entendimento com o FMI para flexibilizar as metas de acúmulo de reservas internacionais, que a diretoria do organismo ainda deve ratificar. E todos se perguntam o que vai acontecer no dia seguinte à eleição.
— Uma alta votação da oposição, sinal de uma possível mudança de governo, pode acalmar os mercados — comentou na semana passada Juan Negri, professor de Ciência Política na Universidade Torcuato di Tella.