O presidente Emmanuel Macron causou polêmica na França e provocou uma onda de críticas de seus opositores ao defender a imposição de restrições a pessoas não vacinadas contra a covid-19. Em entrevista ao jornal Le Parisien publicada na última terça-feira (4), ele admitiu querer "irritar" aqueles que não se imunizaram.
— Eu não quero irritar os franceses. Reclamo o dia todo quando o governo os atrapalha. Mas os não vacinados, esses eu tenho muita vontade de irritar — disse o líder francês.
Macron usou o verbo "emmerder" em francês — um registro coloquial da língua que também pode ser considerado, a depender do contexto, um palavrão.
Na entrevista, o presidente respondia a perguntas enviadas por leitores do jornal. A resposta em questão foi dada a uma enfermeira que o questionou sobre pessoas imunizadas contra o coronavírus que estavam tendo cirurgias adiadas porque os hospitais estariam ocupados com o atendimento a pacientes com covid-19 que escolheram não se vacinar.
Para Macron, os que se opõem à vacina cometem uma "imensa falta moral".
— Eles estão minando o que é a solidez de uma nação. Quando a minha liberdade ameaça a dos outros, eu me torno um irresponsável. Um irresponsável não é mais um cidadão — afirmou.
A França registrou 271.746 novos casos de covid-19 na terça-feira, a maior marca desde o início da pandemia. O número alto para os padrões franceses pode ser resultado de um represamento de dados decorrente dos feriados de fim de ano.
Mas a média móvel — recurso que considera os números dos últimos sete dias e, portanto, apresenta um cenário estatístico mais próximo da realidade — também vem batendo recordes consecutivos desde 26 de dezembro. Atualmente, o índice supera 180,5 mil casos da doença por dia, segundo dados do portal Our World in Data.
Pouco mais de 73% dos franceses estão com o esquema vacinal completo, número relativamente alto para o país que, historicamente, abriga um forte movimento de resistência às vacinas.
Isso significa que a parcela da população que Macron disse ter "muita vontade de irritar" é composta por aproximadamente um quarto do país — uma porcentagem bastante significativa em termos políticos, ainda mais considerando que os franceses irão às urnas para escolher seu presidente em abril.
Comentários negativos
A fala de Macron teve repercussões políticas imediatas. O debate a respeito do projeto de lei que prevê a exigência do comprovante de vacinação para o acesso a vários locais públicos estava agendado para esta quarta-feira (5), mas foi cancelado pelo parlamento.
— Um presidente não pode dizer essas coisas — criticou o líder da oposição, Christian Jacob, do partido Republicanos, de direita.
Ele disse ainda:
— Sou a favor do passaporte de vacina, mas não posso apoiar um texto cujo objetivo é "irritar" os franceses.
Outros membros da oposição exigiram que o primeiro-ministro Jean Castex desse explicações aos parlamentares sobre o projeto de lei e sobre a fala de Macron.
— Não cabe ao presidente da República escolher entre os bons e os maus franceses — afirmou Valérie Pécresse, candidata do Republicanos ao Palácio do Eliseu.
Valérie acrescentou que estava indignada com os comentários e classificou o mandato do atual presidente francês como um "quinquênio de desrespeitos".
A ultradireitista Marine Le Pen também não poupou críticas ao adversário e aproveitou para defender sua candidatura à presidência. "Os insultos aos franceses não vacinados demonstram que Emmanuel Macron irá sempre mais longe no seu desprezo e nas suas medidas liberticidas. Eu devolverei aos franceses suas liberdades", escreveu a deputada no Twitter.
Para Éric Zemmour, também da ultradireita, o presidente foi cínico e cruel em seu posicionamento.
— Esta não é apenas a afirmação cínica de um político que deseja existir na campanha presidencial. É a crueldade admitida e aceita que desfila diante dos desprezados franceses — afirmou o jornalista e escritor que tem chances reais de pelo menos ir ao segundo turno no pleito presidencial.
No campo da esquerda, Macron também foi alvo de críticas. Anne Hidalgo, prefeita de Paris e candidata à presidência pelo Partido Socialista, republicou uma notícia sobre a fala do mandatário, questionando com ironia seu declarado intuito de "unir os franceses".
O candidato do Partido Comunista Francês, Fabien Russel, disse que o "grosseiro modo" de Macron não pode ser interpretado como uma piada: "Observação indigna e irresponsável do presidente da República! Quando temos que convencer, reunir, não insultamos". Russel pontuou, ainda, que há milhões de franceses sem acesso a serviços de saúde. "Ele Macron vai irritar a eles também?", questionou.
O esquerdista Jean-Luc Mélenchon afirmou que as palavras do presidente foram uma "confissão" de que o projeto de passe vacinal seria "uma punição coletiva contra a liberdade individual". Segundo ele, Macron contraria a Organização Mundial da Saúde (OMS) ao tentar coagir e não convencer os hesitantes, e cria uma crise parlamentar.
— Não esperávamos isso de um discurso oficial — disse Mélenchon.
Assim, os comentários do presidente, ao menos por enquanto, saíram pela culatra e alimentaram a imagem de arrogância que críticos costumam atribuir a ele. O projeto defendido por Macron propõe que um novo passaporte de vacinação substitua o documento atual, eliminando a opção de apresentar um teste com resultado negativo para covid-19 como certificado de saúde.
Se aprovada, a nova lei deve entrar em vigor ainda neste mês. O plano é exigir que todos os maiores de 12 anos apresentem provas de que foram vacinados caso queiram frequentar restaurantes, museus, academias, cinemas e o transporte público.
Polêmicas em série
Desde que assumiu o poder em 2017, Macron tentou apagar sua imagem de político insolente próximo às elites, embora seu mandato seja salpicado de frases polêmicas. Em entrevista concedida em dezembro, o presidente justificou essas polêmicas por sua "vontade de sacudir" o sistema, como quando garantiu que, nas estações de trem, é possível encontrar "gente que fez sucesso e gente que não é nada".
Suas declarações polêmicas sobre os pobres ou desempregados também serviram de catalisador durante as manifestações dos "coletes amarelos" entre 2018 e 2019 após um aumento no preço do combustível, mas que acabou se tornando um movimento de protesto muito mais amplo.
O cientista político Jérôme Fourquet comentou na rádio France Info sobre as últimas declarações:
— Uma parte das pessoas não vacinadas pode considerar como uma espécie de provocação ou como uma declaração de guerra.
Ao Le Parisien, Macron explicou que mais de 90% dos franceses já foram vacinados, mas que ainda existe uma minoria contra.
— Como reduzimos essa minoria? Reduzimos, desculpe dizê-lo, incomodando ainda mais — complementou.
O presidente francês busca conter o novo pico de infecções antes de confirmar sua candidatura à reeleição, algo que seu círculo, como o ex-primeiro-ministro Edouard Philippe, considera certo, mas que o chefe de Estado reluta em anunciar.
Seu antecessor no cargo, o socialista François Hollande, desistiu em 2017 de disputar um segundo mandato, em um contexto de baixíssima popularidade. Hollande havia chegado ao Eliseu em 2012 depois de derrotar o presidente conservador Nicolas Sarkozy.
(Com agências internacionais)