Os talibãs mantêm postos de controle nesta quinta-feira (19) ao redor do aeroporto de Cabul e impedem a saída de afegãos que desejam abandonar o país, acusou o governo dos Estados Unidos, que pediu uma passagem livre.
Dezenas de milhares de pessoas tentam fugir do Afeganistão desde que o movimento islamita radical assumiu no domingo (15) o poder no país, após uma ofensiva militar relâmpago que permitiu a tomada da capital em 10 dias, depois de duas décadas de guerra.
Os afegãos, que recordam o regime talibã precedente, que governo o país entre 1996 e 2001, marcado por violações dos direitos humanos, não confiam nas promessas de moderação apresentadas nos últimos dias pelo grupo.
Os insurgentes, no entanto, constituem aos poucos suas autoridades políticas, após a chegada do exílio do cofundador do movimento talibã, mulá Abdul Ghani Baradar, que ao lado de outros dirigentes do grupo se reuniu com o ex-presidente afegão Hamid Karzai.
Afegãos bloqueados
O governo dos Estados Unidos expressou preocupação na quarta-feira com as informações de assédio e postos de controle para cidadãos afegãos, apesar das promessas dos talibãs de não adotar represálias.
— Ao que parece estão impedindo a chegada ao aeroporto dos afegãos que desejam sair do país — afirmou a subsecretária de Estado, Wendy Sherman. — Esperamos que permitam que todos os cidadãos americanos, todos os cidadãos de outros países e todos os afegãos que desejam partir o façam de forma segura e sem assédio — disse.
O porta-voz dos talibãs, Zabihullah Mujahid, prometeu durante a semana que o novo regime será "positivamente diferente" do que governou entre 1996 e 2001, quando imperou uma interpretação rigorosa da sharia (lei islâmica), com apedrejamentos e a negação dos direitos das mulheres.
Apesar das promessas, a vitória dos talibãs gerou uma onda de pânico: uma multidão correu para o aeroporto de Cabul, a única porta de saída do Afeganistão.
— Estou tentando desesperadamente partir — declarou à AFP um afegão que já trabalhou para uma ONG alemã. — Na terça-feira eu fui ao aeroporto com meus filhos e minha família, os talibãs e os americanos atiravam contra as pessoas, mas a multidão continuava avançando porque todos sabem que uma situação pior do que a morte os aguarda do lado de fora do aeroporto — disse.
Caos e críticas
O governo dos Estados Unidos enviou 6 mil militares para garantir a segurança do aeroporto de Cabul e retirar os 30 mil americanos e civis afegãos que trabalharam para Washington e temem por suas vidas. Até o momento, pouco mais de 5 mil pessoas deixaram o país.
Reino Unido, França e Espanha, entre outros países, também organizam operações de retirada.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, muito criticado em seu país e no Exterior pela gestão da retirada das tropas de seu país, admitiu na quarta-feira "dificuldades" e disse que uma certa forma de "caos" era inevitável.
— A ideia de que havia uma forma de ter saído sem que isso resultasse em um caos, não vejo como seria possível — declarou o presidente durante entrevista à rede ABC.
Na frente internacional, os talibãs parecem ter conseguido uma recepção menos hostil que há duas décadas, quando apenas três países (Paquistão, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita) reconheceram o regime.
Até o momento, nenhum país reconheceu oficialmente um governo talibã, mas China, Turquia, Rússia e Irã já enviaram sinais de abertura aos talibãs. Os países ocidentais, no entanto, são muito mais reticentes e afirmam que desejam julgar por "ações" e não palavras.
Na política interna, os insurgentes divulgaram imagens do ex-presidente Karzai com Anas Haqqani, irmão mais novo de Sirajuddin Haqqani, líder da rede Haqqani, classificada como terrorista por Washington, e que tem o status de número dois dos talibãs.
Os contatos foram bem recebidos por aquele que era o presidente do país até a tomada de poder pelos talibãs, Ashraf Ghani, que fugiu no domingo para os Emirados Árabes Unidos.
— Desejo sucesso ao processo — declarou Ghani em um vídeo, no qual também disse que está em negociações para "voltar ao Afeganistão".
Mas o governo dos Estados Unidos considera que Ghani, que sucedeu Hamid Karzai em 2014, "não é mais uma pessoa que conta no Afeganistão".