O Brasil não é o único país que decidiu retomar as atividades econômicas sem ter atingido o pico da pandemia de coronavírus. Outras nações também optaram pelo fim do isolamento rígido no momento em que o vírus mais avança. Presos entre as catástrofes econômica e sanitária, a determinação de governos da América Latina, África, de Estados norte-americanos, além da Rússia e Índia, aumenta o risco de agravamento da crise.
Dois meses atrás, quando havia quase 1 milhão de casos confirmados de coronavírus no mundo, a recomendação era quarentena, muitas vezes com um duro lockdown, e fechamento de estabelecimentos não essenciais. Nesta semana, o número de casos ultrapassou 7 milhões, com 136 mil novas infecções detectadas só no domingo (7), recorde em um único dia desde o início da pandemia. A ordem do dia? Reabertura.
Para as autoridades de saúde, este é um momento perigoso.
— Não é hora de nenhum país pisar no freio. A crise está longe de terminar — alertou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), em entrevista no início da semana.
Embora as taxas de infecção nas grandes cidades americanas e na Europa tenham diminuído, o vírus vem se espalhando pelo mundo. O pico global de infecção pode demorar meses a chegar. Na ausência de uma vacina ou tratamento, a única estratégia comprovada contra o vírus ainda é limitar o contato humano.
Mas administrar as incertezas e a impaciência de um lockdown não é tão simples na maioria dos lugares. Em muitos países, os governos temem o impacto do vírus na economia, o que limita a vontade política de manter os estabelecimentos fechados ou de decretar uma nova quarentena.
Na terça-feira (9), o principal especialista em doenças infecciosas dos EUA, Anthony Fauci, descreveu a covid-19 como seu "pior pesadelo".
— Em quatro meses, devastou o mundo inteiro. E ainda não acabou — disse ao programa de TV Good Morning America.
Dos 136 mil novos casos relatados no domingo, 75% se concentraram em apenas 10 países, a maioria no continente americano e no sul da Ásia – entre eles Índia, Brasil, México e África do Sul. Carissa Etienne, diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), disse que a crise "levou a América Latina ao limite".
Diferentes culturas e formas de enfrentar a pandemia
O coronavírus vem se espalhando rapidamente por países governados por líderes acostumados a suprimir informações para moldar a narrativa política. Na Rússia, o presidente Vladimir Putin suspendeu o lockdown nesta semana, mesmo com o número de infecções detectadas aumentando constantemente.
No México, o governo de Andrés Manuel López Obrador não vem registrando centenas de mortes na Cidade do México e demitiu os funcionários que denunciaram que a capital tem o triplo do número de óbitos que é divulgado oficialmente.
Tudo indica que López Obrador está de mãos atadas. Como a maioria da população depende do setor informal e não tem uma rede de segurança estatal, ele não consegue impor uma quarentena rígida. Agora, no momento em que o país registra recordes diários de mortos, o governo decidiu reabrir estabelecimentos de forma gradual.
A Índia vive um drama parecido.
— Haverá proibição total de sair de casa — disse o primeiro-ministro, Narendra Modi, em 24 de março. — Todos os Estados, distritos, todas as ruas, todas as cidades estarão em lockdown.
Em pouco tempo, o desejo de isolar 1,3 bilhão de habitantes se mostrou ambicioso demais. A maioria da população indiana é pobre, vive em áreas urbanas lotadas, com falta de saneamento e serviços de saúde ruins.
Agora, a Índia enfrenta a onda de infecções mais forte da Ásia, com mais de 10 mil novos casos diários e 290 mil contaminados. Enquanto especialistas alertam para uma escassez iminente de leitos e de médicos, nesta semana, os indianos foram autorizados a jantar fora, fazer compras e orar em templos religiosos.
Na América Latina, os casos de covid-19 estão aumentando tanto em países que adotaram medidas de isolamento precocemente, como Peru e Bolívia, quanto naqueles que ignoraram as recomendações de saúde pública, como Brasil e Nicarágua.
Na quarta-feira (10), a África ultrapassou a marca de 200 mil infectados – um quarto deles na África do Sul. Mesmo assim, o governo sul-africano anunciou na terça-feira que as aulas serão retomadas na semana que vem.
O manual de resposta contra o vírus usado por europeus e americanos parece não funcionar em todos os lugares. Sociedades com economias informais não podem impor lockdowns sem o risco de colapso social. Mas o fenômeno não se restringe aos países mais vulneráveis.
O New York Times informou que, enquanto o país retoma as atividades econômicas, o vírus ainda está se espalhando por 21 Estados americanos. A situação é pior em Oregon, Texas, Carolina do Norte, Califórnia, Arkansas, Mississippi, Utah e Arizona, que ontem pediu que os hospitais estaduais reativassem os protocolos de emergência.
UE acusa China de divulgar mentiras para dividir bloco
Nesta quarta-feira (10) a União Europeia acusou a China de espalhar informações falsas durante a pandemia para dividir o bloco.
— A pandemia mostrou que a desinformação não prejudica apenas a saúde das pessoas, mas também a saúde de nossas democracias — disse Vera Jourova, principal autoridade da UE sobre Estado de Direito.
Em pelo menos duas oportunidades, a China teria tentado causar discórdia. Em uma, enviou suprimentos à Itália e disse que os parceiros europeus não ajudavam na crise. A outra foi quando a embaixada chinesa na França divulgou uma notícia falsa de que funcionários de asilos tinham abandonado seus postos e deixado os idosos para morrer.