Dois campos de imigrantes foram colocados em quarentena na Grécia nos últimos quatro dias por causa do coronavírus, aumentando a preocupação com um desastre humanitário no país, uma das principais portas de entrada de imigrantes na Europa na crise de 2015-2016.
Neste domingo (5), o campo de Malakasa (40 km a nordeste de Atenas) teve isolamento decretado pelo período de duas semanas, depois que um afegão de 53 anos teve contágio confirmado.
O primeiro alerta apareceu na quinta (2), quando outro campo, o de Ristona (75 km a nordeste de Atenas), entrou em quarentena, depois que uma imigrante de 19 anos teve teste positivo para o coronavírus após dar à luz na capital grega. O governo fez novos exames no campo de onde ela veio e detectou contágio em 20 pessoas (todas assintomáticas, segundo o Ministério da Saúde).
Com a confirmação de contágio nos dois campos de concentração, cresceu a pressão de entidades de ajuda humanitária pela retirada de imigrantes dos campos superlotados em cinco ilhas gregas (Lesbos, Chios, Samos, Leros e Kos), onde mais de 40 mil imigrantes vivem em locais cuja capacidade total é estimada entre 6 mil a 15 mil lugares.
Os apelos começaram a ser feitos no final de março, quando mais de 20 organizações humanitárias enviaram um comunicado ao governo grego pedindo a redução da superlotação nas ilhas. Conter um surto nesses locais, segundo as entidades, será "impossível" num ambiente em que todos vivem muito próximos e em péssimas condições.
Alguns pedem medidas mais drásticas, como o coordenador do grupo Médicos Sem Fronteiras na Grécia, Hilde Vochten, para quem só a evacuação de todos os campos eliminará o risco de um desastre.
"Não há a menor condição de distanciamento social nem de garantir condições de higiene nos campos", afirmou o eurodeputado socialista Juan Fernando López Aguilar, presidente do comitê de Justiça e direitos civis do Parlamento Europeu, que também pede à Comissão Europeia a retirada com urgência dos refugiados das ilhas.
Principal porta de entrada na Europa na crise de imigração de 2015 e 2016, a Grécia recebeu mais de 1 milhão de pessoas fugindo de conflitos na Síria, no Afeganistão, na Eritreia, no Iraque, na Palestina, na Somália e no Congo, entre outros. O fluxo equivale a cerca de 10% da população grega.
Há hoje no país 110 mil pessoas em campos de refugiados, mais de 40% deles nas ilhas. Em Lesbos, mais de 20 mil pessoas vivem no campo de Moria, cuja capacidade é para 3 mil.
Falta água corrente e há escassez de banheiros e chuveiros. Moradores se organizaram para fabricar máscaras de proteção (em falta na capital, Mytilene) e garantir informação e medidas básicas de higiene.
Segundo o Comitê Internacional de Resgate (IRC), ONG que atua com imigração, o risco de um surto nos campos de refugiados é muito maior que em cruzeiros como o Diamond Princess, que ficou em quarentena na costa do Japão em fevereiro. O navio abrigava o equivalente a 24.400 pessoas por quilômetro quadrado (ou 40 metros quadrados por pessoa), quanto o campo de Moria, em Lesbos, tem o equivalente a 203.800 pessoas por km² (menos de 5 m² por pessoa). Segundo o IRC, isso indica que a taxa de transmissão nos campos deve ser ainda maior que a verificada no navio (cada pessoa infectou outras 11 no Diamond Princess, segundo estudo da Universidade de Kyoto).
O ministro da Migração, Notis Mitarachi, reconhece que a situação é preocupante. A uma emissora de TV grega, afirmou após a decretação da primeira quarentena que o governo tem um plano de emergência para campos de refugiados, mas ele é mais difícil de implementar nas ilhas.
Governo estuda alternativas
Em entrevista à rede americana de TV CNN, o premiê da Grécia, Kyriakos Mitsotakis, disse que "o plano é aliviar gradualmente a pressão em Lesbos e outras ilhas", mas não deu detalhes. Planos iniciais, de substituir os campos por centros de detenção, encontraram resistência de governantes locais e moradores, que querem que os migrantes sejam todos retirados das ilhas.
Apesar de pedidos da União Europeia para que os grupos de maior risco de complicações fossem retirados para o continente, o governo vinha afirmando que isso aumentaria a chance de contágio. Na sexta (3), após a quarentena do primeiro campo, o porta-voz da Comissão Europeia Adalbert Jahnz disse que a UE está tentando acelerar o plano de transferência de refugiados menores de idade desacompanhados para outros países do continente.
Finlândia, França, Alemanha, Luxemburgo, Portugal, Irlanda e Croácia aceitaram receber 1.600 crianças no total, e a Comissão tenta convencer outros países a aderir. As transferências, no entanto, foram atrasadas pelo agravamento da pandemia na Europa.
No final de março, a União Europeia anunciou um programa emergencial de 2 mil euros (cerca de R$ 12 mil) para imigrantes que quisessem deixar a ilha e voltar para casa. O valor é cinco vezes a verba usual de auxílio para retornos voluntários organizados pela Organização Internacional de Migração (IOM) da ONU. Segundo a comissária Ylva Johansson, embora o esquema não seja uma solução para refugiados, que não tem para onde voltar, pode ser uma "janela de oportunidade" para os imigrantes econômicos.
Embora não tenha dados sobre quantos dos moradores dos campos nas ilhas sejam refugiados e quantos imigrantes econômicos, a Comissão espera que até 5 mil imigrantes aceitem a oferta. A adesão se encerra no final de abril.
Desde 2016, cerca de 18 mil imigrantes aceitaram a oferta de programas de repatriação voluntária e deixaram a Grécia, mas apenas 4 mil deles saíram das ilhas.
A Grécia teve seu primeiro caso de coronavírus confirmado no final de fevereiro e a primeira morte, no dia 12. O país suspendeu aulas em 10 de março, fechou fronteiras no dia 15, lojas, no dia 16, e decretou quarentena no dia 23. Também suspendeu voos vindo de Espanha, Itália, Alemanha e Reino Unido. Até as 13h30 (horário do Brasil) deste domingo, havia no país 1.735 casos confirmados de coronavírus (93 em estado grave) e 73 mortes.