O Congresso dos Estados Unidos divulgou, na noite de quinta-feira (9), mensagens internas de funcionários da Boeing falando da agência reguladora aérea do país, o que pode prejudicar ainda mais as relações com as autoridades e complicar o retorno ao serviço do 737 MAX.
Nessas comunicações — enviadas aos parlamentares americanos em dezembro pela fabricante de aeronaves —, os funcionários se gabam de que podem ter o 737 MAX certificado com um mínimo de treinamento para pilotos. As mensagens revelam ainda problemas encontrados em simuladores, que reproduzem condições reais de voo.
"Ainda não fui perdoado por Deus pelo que escondi no ano passado", escreveu um desses funcionários em uma mensagem de 2018, referindo-se às interações com a agência reguladora.
"O regulador só tem o que merece depois de tentar interferir nos nossos negócios. Isso atrasa o progresso", escreveu outro em agosto de 2015.
"Este avião foi projetado por palhaços, que, por sua vez, são supervisionados por macacos", disse outro em uma mensagem de 2017, aparentemente se referindo à FAA.
"Você colocaria sua família em um simulador MAX? Não, não colocaria", disse um funcionário a um colega em outra conversa. "Não", o interlocutor também responde.
Acidentes com 346 mortos
As mensagens foram reveladas pelos legisladores americanos que estão investigando o processo de certificação do 737 MAX, envolvido em dois acidentes que deixaram 346 mortos.
"Algumas dessas comunicações estão relacionadas ao desenvolvimento e à qualificação dos simuladores do Boeing 737 MAX em 2017 e 2018", disse a Boeing, acrescentando que foram transmitidas aos parlamentares por "transparência". "Algumas dessas comunicações contêm linguagem provocativa e, em alguns casos, levantam questões sobre as interações da Boeing com a FAA e o processo de formação do simulador", acrescentou.
Quando o 737 MAX foi certificado, em maio de 2017, a Boeing conseguiu convencer as autoridades americanas de que os pilotos não precisavam de treinamento em simuladores e que uma atualização por computador era suficiente.
Um dos argumentos comerciais da Boeing para vender o MAX às companhias aéreas foi, além disso, que economizariam dinheiro, porque não haveria necessidade de treinar especialmente pilotos acostumados ao 737 NG, de acordo com um folheto promocional consultado em novembro pela agência AFP.
O tom das conversas é uma nova dor de cabeça para a Boeing e corre o risco de complicar ainda mais as relações já tensas com a FAA, que deve suspender a proibição ao 737 MAX, em terra desde 13 de março.
Lamentos e desculpas
"Lamentamos o conteúdo dessas comunicações e pedimos desculpas ao Congresso da FAA, às companhias aéreas clientes e aos passageiros", afirmou a Boeing na quinta-feira.
Não é a primeira vez que os funcionários da Boeing tiram sarro da FAA. Em outubro, o Congresso já havia revelado mensagens internas do piloto de testes da Boeing Mark Forkner, citando problemas com o simulador de voo 737 Max em 2016, dois anos antes do primeiro trágico acidente.
Forkner não relatou os problemas à FAA, o que levou o regulador a não exigir treinamento específico. "Basicamente, isso significa que eu menti para os reguladores", escreveu ele a um colega.
O sistema MCAS foi apontado nos dois acidentes, e a Boeing está atualmente trabalhando nas modificações exigidas pela FAA.
No final de dezembro, o presidente-executivo da Boeing, Dennis Muilenburg, foi afastado do cargo e substituído por David Calhoun, ex-executivo da General Electric (GE), que assumiu o posto na segunda-feira.