De Porto Alegre, distante 3 mil quilômetros da boliviana Cochabamba, Daniel Soruco e Maria Antonieta Siles Barcellos acompanham inquietos os confrontos que tomam aquela e outras cidades desde a renúncia do ex-presidente Evo Morales.
A preocupação do médico anestesista e da economista aposentada decorrem dos laços que têm na Bolívia, terra-natal de ambos e onde deixaram seus familiares. Lá, a instabilidade política levou à escalada da violência que já matou 23 pessoas durante embates de civis com as forças de segurança.
O médico Soruco tem 79 anos, 60 deles vividos no Brasil. Embora tenha ficando bandeira por aqui, tem lá quatro irmãos e uma dezena de sobrinhos, todos em Cochabamba - a maioria, contrários à permanência de Evo Morales no poder:
— Somos partidários da alternância. Sabemos que ele fez muita coisa boa nos primeiros anos de governo, principalmente para os indígenas, para a população mais pobre. Enfim, todo mundo foi beneficiado. Mas ele quis se perpetuar no poder e isso está errado. As leis precisam ser respeitadas — opina.
Soruco não ignora a possibilidade de fraude nas eleições que levaram Evo ao quarto mandato seguido. Lembrou que os apoiadores dele são "muito fiéis" e que devem permanecer por longo período resistindo a um novo governo.
A cidade onde nasceu e que ainda mora sua família, localizada no centro da Bolívia, é considerada o reduto do ex-presidente. É um dos locais onde forças de segurança e manifestantes pró-Evo tem se enfrentado.
Apenas na sexta-feira (15), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) registrou nove mortes na cidade a 387 quilômetros de La Paz. A maior preocupação de Soruco, porém, é com os transtornos que esse protestos causam aos parentes, como dificuldade de locomoção, desabastecimento de água, alimento, gás, gasolina e mercadorias em geral. Desde que os partidários do ex-presidente bloquearam a rota entre La Paz e uma refinaria, os postos estão sem combustíveis e os comércios desabastecidos.
— Minha família não se mete em política, então nossa preocupação é mais com o bem-estar deles — disse o boliviano.
Maria Antonieta tem dois irmãos e cinco sobrinhos lá, também em Cochabamba. Ela tem uma visão um pouco diferente sobre Evo Morales. Diz que, apesar de morar no Brasil desde 1974, o enxerga como uma espécie de ditador.
— Antes de ser presidente, fez alguns levantes contra o governo. A população nunca esteve muito contente com ele. É verdade que ajudou a economia a crescer, mas levou muito dinheiro por corrupção. Sempre apoiou os cocaleiros e por isso eles o defendem agora — comenta.
Diz, ainda, que sua família está segura e que ainda não foi afetada pelo desabastecimento. Torce para que a democracia se fortaleça na Bolívia e que o governo seja menos impositivo como na década de 1970, quando o país foi conduzido pelo general Hugo Banzer Suárez. Ela reclama que o político, inconformado com protestos, fechou universidades durante seus dois governos, motivando-na a trocar Cochabamba por São Paulo, onde morou antes de se estabelecer no Rio Grande do Sul.