Um grupo de refugiados bolivianos no Brasil fez um ato público na fronteira do Acre com a cidade boliviana de Cobija na quinta-feira (14) para simbolizar o retorno ao país, após a queda do presidente Evo Morales, que renunciou sob pressão de militares e protestos nas ruas.
— Todos estão arrumando as malas para voltar. Estivemos aguardando esse dia nesses 11 anos, e esse dia chegou. Você não sabe como explicar aquela felicidade que está no nosso peito, mas chegou o dia e a gente vai voltar — disse à reportagem o advogado Roger Zabala, 45, considerado um líder dos refugiados bolivianos no Brasil.
Zabala foi chefe de gabinete do ex-governador de Pando Leopoldo Fernández, um opositor de Evo preso pelo governo boliviano em 2008. Ele vive com mais seis parentes há 11 anos em Epitaciolândia, no Acre, que é separada apenas por uma ponte da cidade boliviana de Cobija.
No ato, os bolivianos que vivem no Brasil foram recepcionados por um grupo de bolivianos, atravessaram a ponte e pisaram em Cobija, onde houve discursos. Há 108 bolivianos na condição de refugiados somente no município acreano, segundo Zabala. Para ele, a deposição de Evo foi "um movimento cívico"
— Não vamos voltar com ódio, não vamos voltar com vingança, vamos voltar com amor, porque nossos antepassados ensinaram que o mais importante é o amor.
A ideia de Zabala de retorno imediato dos refugiados ainda não será seguida, contudo, por pelo menos um personagem que ganhou vulto na Bolívia a partir de 2009, o ex-promotor de Justiça Marcelo Soza, que vive refugiado desde 2014 em Brasília, onde é aluno de relações internacionais na Universidade de Brasília.
Em 2009, Soza foi designado pela sua chefia na Procuradoria em La Paz para atuar no caso que ficou conhecido como Terrorismo 1, um intrincado episódio político e de espionagem. Em abril daquele ano, três pessoas foram chacinadas por agentes do governo de Evo em um hotel na cidade de Santa Cruz de la Sierra: os húngaros Eduardo Rósza-Flores e Árpád Magyarosi e o irlandês Michael Martin Dwyer.
Segundo o governo boliviano, eles faziam parte de um complô para matar Evo. Ao investigar o caso, porém, Soza apontou problemas na perícia, sugerindo que eles foram mortos à queima-roupa e sem reação, e não em um tiroteio como dizia a versão oficial.
A partir disso, segundo ele, passou a ser alvo de perseguição política do grupo de Evo. Enfrentou dois processos ao mesmo tempo sobre o mesmo assunto em duas cidades diferentes. Ele procurou refúgio em Brasília em 2014 e não voltou mais para a Bolívia.
Tanto Zabala quanto Soza rejeitam a ideia de que houve um golpe de Estado contra Evo e fazem menção às manobras políticas e judiciais feitas pelo ex-presidente boliviano para garantir um terceiro mandato e tentar uma nova eleição.
— No meu país, a Constituição permite apenas dois mandatos. Evo Morales estava no terceiro, que conseguiu porque teve o apoio do Poder Judiciário. Com um argumento irrisório, conseguiu ir a um terceiro mandato. Para um quarto mandato, ganhou as eleições com fraude, segundo a OEA (Organização dos Estados Americanos) — disse Soza.
Zabala afirmou que a queda de Evo traz esperança. Segundo ele, o Estado Democrático de Direito está retornando ao país.
— Sempre ficamos convencidos de que não devíamos (à Justiça boliviana), não éramos criminosos, então não temos por que continuar fugindo