A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que suspenda portaria do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que prevê o impedimento da entrada, a repatriação e a deportação sumária de estrangeiros considerados perigosos ou suspeitos de praticar atos contra a Constituição.
A solicitação foi feita numa ação de descumprimento de preceito fundamental ajuizada por Dodge. Ela requer a suspensão da norma em caráter liminar e, após o julgamento de mérito, que ela seja declarada inconstitucional.
A portaria, que ganhou o número 666, foi editada por Moro em 26 de julho e estabelece um rito sumário de expulsão. Segundo o texto, cabe à autoridade migratória avaliar quem se enquadra nos critérios de periculosidade e de suspeição.
A mudança nas regras foi publicada após o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, iniciar série de reportagens sobre mensagens trocadas pelo ministro, quando este era juiz na 13ª Vara Federal em Curitiba, e procuradores da Lava-Jato. O conteúdo indica possíveis irregularidades na condução de processos da operação.
A portaria de Moro foi amplamente criticada por especialistas, que levantaram afronta à Lei de Migração. Segundo o texto, o estrangeiro alvo da medida deverá apresentar defesa ou deixar o país voluntariamente no prazo de até 48 horas. Há a possibilidade de protocolar recurso, com efeito suspensivo, mas ele deve ser apresentado em até 24 horas.
A Lei de Migração estabelece que o deportando tem prazo não inferior a 60 dias para regularizar a sua situação migratória. A deportação pode ser executada se isso não ocorrer nesse período.
Conforme a portaria, estão sujeitos à deportação expressa suspeitos de terrorismo, de integrar grupo criminoso organizado ou organização criminosa armada, além de possíveis traficantes de drogas, pessoas ou armas de fogo. A norma também se aplica a suspeitos de pornografia ou exploração sexual infantojuvenil, e a torcedores com histórico de violência em estádios.
A procuradora-geral sustenta que o texto fere o princípio da dignidade humana ao instituir "tratamento discriminatório" a estrangeiros em razão da situação migratória.
"A possibilidade de retirada de estrangeiro do território nacional, fundamentada em mera suspeita de ser 'pessoa perigosa' ou envolvimento em atos contrários aos objetivos e princípios constitucionais, sem a garantia de prazos processuais administrativos razoáveis, de acesso a informações e de comprovação mínima da culpa, viola os preceitos fundamentais de ampla defesa, contraditório, devido processo legal e presunção de inocência", escreveu Dodge.
Ela afirma que a medida do Ministério da Justiça também ofende o direito do estrangeiro ao acolhimento, previsto na Constituição.
Dodge argumenta também que a portaria altera significativamente o sentido da Lei de Migração. A avaliação dela é a de que os conceitos de "deportação sumária" e de "repatriamento" "por suspeita" extrapolam os limites de uma norma de regulamentação e não condizem com a abrangência da legislação federal.
"O direito de ingresso de determinado estrangeiro ao território brasileiro é parametrizado de acordo com normas constitucionais, legais e com as previstas em tratados internacionais de direitos humanos, não podendo ser considerado como objeto de absoluta discricionariedade das autoridades públicas", frisa Dodge.
A lei brasileira prevê a redução do prazo de 60 dias para as pessoas que tenham "praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal", mas não há especificação sobre como determinar quem se enquadra nesse item.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Justiça não se pronunciou sobre a ação de Dodge.
Na época em que a portaria foi editada, o ministro usou uma rede social para defendê-la. Segundo ele, não faz sentido o Brasil esperar 60 dias para deportar um suspeito de terrorismo, por exemplo, mesmo que a pessoa nunca tenha sido condenada.
"Nenhum país do mundo, tendo conhecimento, permite que estrangeiro suspeito de crime de terrorismo ou membro de crime organizado armado, entre em seu território. Ele é barrado na entrada e deportado. A regulação nova permite que isso seja feito de imediato", escreveu.