No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, lembrado nesta sexta-feira (3), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) lança alerta global sobre a relação carnal entre imprensa e democracia – e denuncia sucessivas tentativas de censura a veículos de comunicação e jornalistas profissionais mundo afora.
Sob o lema Mídia para a Democracia, Jornalismo e Eleições em Tempos de Desinformação, a 26ª edição do evento tem como sede Adis Abeba, na Etiópia. Entre as atividades desenvolvidas pela Unesco para marcar a data, está a campanha Defenda o Jornalismo, que incentiva a reflexão sobre a importância da profissão e dos órgãos de comunicação independentes no momento em que governos autoritários elegeram jornalistas e veículos de imprensa como alvo.
— Quando se multiplicam os discursos de desconfiança e deslegitimação da impressa e do trabalho jornalístico, é fundamental garantir a liberdade de opinião mediante o livre intercâmbio de ideias e de informação baseados em verdades factuais — afirma a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay.
Além de prisões e assassinatos de jornalistas, preocupação recorrente da entidade, este ano, a Unesco lançou o foco sobre as tentativas de intimidação do exercício do jornalismo por meio de medidas judiciais. Jornais, revistas, sites, emissoras de rádio e TV têm sido censurados, multados, suspensos ou fechados. Conforme Audrey, a sociedade deve atuar para proteger a liberdade de expressão e a segurança de jornalistas.
— A existência de meios de comunicação livres, plurais e independentes é condição indispensável para o bom funcionamento das democracias. O jornalismo independente permite expor os fatos aos cidadãos para que esses formem suas próprias opiniões — diz.
Em várias partes do mundo – inclusive no Brasil – repórteres, redatores e editores são perseguidos por meio de campanhas instrumentalizadas por grupos políticos nas redes sociais, principalmente em tempos de polarização política. Nesse cenário, a imprensa profissional é antídoto contra as notícias falsas (fake news).
— O jornalismo profissional tem se demonstrado ainda mais relevante em períodos eleitorais. Nessas ocasiões, as ondas de desinformação ganham escala industrial — explica o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e vice-presidente Editorial da RBS, Marcelo Rech.
Em abril, a ONG Repórteres Sem Fronteiras divulgou o ranking 2019 sobre liberdade de imprensa. Em comparação com o estudo realizado no ano anterior, o Brasil caiu três posições, ficando na 105ª colocação, entre 180 nações. Com a queda, o país se aproximou da chamada zona vermelha, classificada como local de difícil situação para a imprensa. Nessa faixa, estão junto ao Brasil países como Venezuela, Iraque e Turquia.
O Brasil foi palco de um caso emblemático de tentativa de censura neste ano. Em abril, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que os sites da revista Crusoé e O Antagonista retirassem do ar reportagem e notas publicadas sobre menção ao presidente da Corte, Dias Toffoli, feita em um e-mail pelo empresário Marcelo Odebrecht no âmbito da Operação Lava-Jato. O próprio Moraes revogou a decisão após a repercussão negativa do episódio.
— Além da censura clássica, como recentemente no caso da Revista Crusoé, uma nova forma de intimidação à liberdade de expressão em diferentes partes do mundo é a coordenação de ataques via redes sociais, não para contestar opiniões e reportagens, mas para destruir reputações para calar vozes incômodas — avalia Rech.
Na América Latina, a deterioração da liberdade de imprensa é gritante em países como a Venezuela. Na cobertura da crise no país de Nicolás Maduro, tornaram-se frequentes casos de detenção de jornalistas em Caracas por forças do regime. Foram ao menos 10 episódios – entre eles o do enviado especial do Grupo RBS, que, em janeiro, ficou retido, sem passaporte e celular, em unidade militar na frente do Palácio Miraflores.
Turquia, China e Egito somaram 140 prisões
Neste 3 de maio, repórteres, radialistas, cinegrafistas e fotógrafos encontram-se atrás das grades em pelo menos 27 países devido ao exercício da profissão. Os campeões em perseguir e amordaçar veículos de comunicação e seus profissionais são Turquia, China e Egito. Juntos, esses três países somaram 140 prisões no ano passado, mais da metade do total de casos em todo o mundo (250), segundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ).
Neste ano, dois jornalistas birmaneses que trabalham para a agência de notícias Reuters são homenageados com o Prêmio Mundial Unesco/Guillermo Cano de Liberdade de Imprensa. Wa Lone, 32 anos, e Kyaw Soe Oo, 28, estão presos, condenados a sete anos de reclusão, em Mianmar, no sudeste asiático. Segundo a acusação, eles violaram a lei de segredos oficiais, que data da era colonial do país, em apuração de série de reportagens sobre violações de direitos humanos por parte do governo contra minorias étnicas no Estado de Rakhine. O governo afirma que a dupla obteve e divulgou documentos confidenciais.
A Organização das Nações Unidas (ONU), a União Europeia e países como Estados Unidos, Canadá e Austrália haviam pedido a absolvição dos jornalistas. Com 22 mortos, Afeganistão e Síria lideram o ranking de mortes de jornalistas. Segundo o CPJ, 54 profissionais de imprensa foram assassinados em 2018 em 16 nações ou territórios. Em 2019, a entidade já contabiliza cinco casos.