O opositor Juan Guaidó tentou nesta terça-feira (30) obter apoio a uma rebelião militar para destituir o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, sem que haja sinais de uma revolta maciça contra o governante, o que mergulhou o país ainda mais na incerteza.
Um grupo de 25 militares de baixa patente que se rebelaram contra o regime de Maduro — tenentes e soldados — pediu asilo na embaixada do Brasil em Caracas. Uma multidão de chavistas cantava "vitória popular" diante do Palácio Presidencial de Miraflores, enquanto manifestantes opositores permaneciam nas imediações da base aérea de La Carlota à espera de notícias.
Os Estados Unidos, principais aliados de Guaidó, advertiram o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, que esta é sua "última oportunidade" de romper com o líder socialista. Segundo John Bolton, assessor de segurança nacional do presidente Donald Trump, o general Padrino, o presidente da Suprema Corte, Maikel Moreno, e o chefe da Guarda Presidencial, Iván Hernández, tinham se comprometido a "derrubar Maduro".
Mas Padrino reiterou seu compromisso com Maduro. Ele denunciou a rebelião como uma tentativa "grosseira e inútil".
— Eles passaram vergonha novamente e isso nos fortalecerá — disse o ministro.
Na manhã desta terça-feira, depois de anunciar o início da rebelião na base aérea de La Carlota, em Caracas, para a qual ele pediu o apoio de todas as Forças Armadas, Guaidó percorreu vários pontos da cidade junto com alguns insurgentes.
Seu correligionário Leopoldo López, que o acompanhou na empreitada nesta terça, acabou se refugiando, junto com sua família, na embaixada da Espanha em Caracas, anunciou o governo de Santiago. Horas antes, de madrugada, ele foi libertado por militares leais a Guaidó. Detido em 2014, López cumpria desde 2017 uma condenação de 14 anos em prisão domiciliar por "incitação à violência".
Milhares de opositores continuam nos arredores de La Carlota depois que o opositor, reconhecido como presidente interino por meia centena de países, advertiu que não voltará atrás até que o governo caia.
— O momento é agora! Rua sem saída — disse Guaidó, ao que apoiou o presidente americano, Donald Trump, que disse que seu país "apoia o povo da Venezuela" e que acompanha de perto o situação.
A ONG de direitos humanos Provea relatou protestos em 22 dos 24 Estados. Segundo serviços de saúde, pelo menos duas pessoas foram baleadas durante as manifestações da oposição. O governo denunciou que um militar leal a Maduro também foi baleado.
De acordo com a ONG Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais, uma pessoa morreu durante as manifestações e o número total de feridos durante os protestos desta terça chegou a 109. A vítima, segundo o jornal Estado de São Paulo, foi identificada como o opositor Samuel Méndez, de 24 anos. Ele morreu durante um protesto na localidade de La Vistoria, no Estado de Aragua, ao receber dois tiros no abdomen e na coluna quando membros da polícia reprimiam a manifestação.
Uma mulher que não participou das mobilizações foi baleada em Caracas, segundo os manifestantes, enquanto o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, também denunciou que um soldado foi baleado e culpou a oposição por um possível "banho de sangue".
Um grupo de opositores foi atingido por um veículo militar, segundo imagens de televisão, mas ainda não sabem as consequências. Militares dispararam bombas de gás lacrimogêneo contra manifestantes de dentro da base de La Carlota.
— Também somos povo e já estamos cansados dessa ditadura — disse um dos insurgentes à AFP, anonimamente, ao redor da instalação. Não se sabe quantas efetivos participam da revolta. Vinte e cinco militares pediram asilo na embaixada brasileira.
O embaixador da Venezuela na ONU, Samuel Moncada, denunciou que os Estados Unidos e outros países da região sabiam de antemão os planos de rebelião militar contra o governo de Nicolás Maduro e conspiraram para provocar "uma guerra civil" na Venezuela.
— Essa nova tentativa de potências estrangeiras para promover uma guerra civil, abrir as portas a um intervencionismo e colocar um governo fantoche em nosso país fracassou — disse a jornalistas o representante de Maduro nas Nações Unidas.
Em sua primeira aparição pública, o presidente da Venezuela Nicolás Maduro, afirmou que o líder oposicionista Juan Guaidó foi derrotado.
— Nunca nos renderemos às forças imperialistas. Demos um passo com amor profundo, com a verdade como espada, a lealdade como escudo, contra todas as mentiras, e é por isso que saímos vitoriosos nessa conjuntura e sairemos vitoriosos em qualquer conjuntura, daqui em diante e no que vier — disse, atacando os Estados Unidos, que apoiam o opositor.
No palácio de Miraflores, Maduro disse ainda que os líderes do movimento que buscaram tirá-lo do poder estão sendo interrogados.
— Isto não pode ficar impune. Todos os envolvidos devem se render.
"Carlotazo"
Guaidó anunciou o levante em um vídeo que, segundo ele, foi gravado em La Carlota, a principal base aérea do país, onde ele apareceu com Lopez e um pequeno grupo de militares.
— Hoje, bravos soldados, corajosos patriotas, bravos homens ligados à Constituição atenderam ao nosso chamado — afirmou Guaidó.
Guaidó disse que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, não tem o apoio e o respeito das Forças Armadas de seu país, mas que todos sabiam que não seria fácil derrubá-lo.
— Hoje é um dia histórico para a Venezuela, o início da última fase da Operação Liberdade — afirmou ele em um vídeo divulgado na noite desta terça-feira (30) pelas redes sociais.
Foi a primeira manifestação do opositor venezuelano desde o início da tarde, quando se intensificaram os confrontos entre manifestantes que o apoiam e as forças leais a Maduro. As imagens não identificam onde Guaidó está.
Ele defendeu a tática adotada pela oposição nesta terça e disse que "pressão e protestos geram resultados".
— Parece que o 'carlotazo' começou a se diluir e agora parece que entra em cena a repressão — comentou à AFP o cientista político Luis Salamanca, que acredita que a insurreição aparentemente buscava "desencadear outras ações militares a nível nacional".
O governo venezuelano tirou do ar nesta terça-feira a emissora de rádio RCR e as redes de televisão CNN Internacional e BBC Mundo, de acordo com esses veículos e com sindicatos.]
"Até a morte"
Enquanto isso, uma multidão de chavistas cercava o palácio presidencial de Miraflores, no centro, a pedido de seus líderes. O número dois de Chávez, Diosdado Cabello, disse que a situação está sob controle e que a insurreição é o trabalho de uma "pequena fração das Forças Armadas e do Sebin (serviço de inteligência)".
Em Miraflores, María Luna, integrante da Milícia, um corpo civil armado, disse à AFP estar disposta a defender Maduro "até a morte se for possível".
—Não vou ficar em casa com os braços cruzados enquanto o regime de Maduro nos oprime — declarou Carlos, opositor de 26 anos, nas proximidades de La Carlota.
Reações divididas
Cuba, Bolívia e Turquia, aliados de Maduro, condenaram a "tentativa de golpe de Estado", enquanto a Colômbia, que junto com Washington liderou a pressão contra o líder socialista, apoiou a rebelião. Rússia e México pediram negociações.
O presidente Jair Bolsonaro manifestou o apoio do Brasil "ao processo de transição democrática" no país vizinho. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), retrucou o presidente Jair Bolsonaro e afirmou que uma declaração de guerra contra a Venezuela precisaria de aprovação do Congresso.
Segundo o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, Maduro estava pronto para deixar a Venezuela e seguir para Cuba, mas foi dissuadido pela Rússia.
— Ele tinha um avião na pista, estava pronto para ir embora esta manhã, pelo que sabemos, e os russos disseram a ele que deveria ficar — disse Pompeo, em entrevista à CNN. O Ministério de Relações Exteriores da Rússia negou a afirmação, e Maduro ironizou:
— Por favor, senhor Pompeo, pare de insanidade — disse.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu para que se evite a violência e se restaure a calma. O Grupo de Lima se reunirá na sexta-feira (2) na capital peruana para avaliar com urgência a crise na Venezuela após a rebelião em apoio ao presidente interino Juan Guaidó, informou nesta terça-feira o governo do Peru.
Os militares são considerados a espinha dorsal de Maduro, que lhes deu amplo poder político e econômico.