A Câmara dos Deputados da Argentina iniciou, na manhã desta quarta-feira (13), o debate de um projeto de lei que legaliza o aborto em até 14 semanas do início da gravidez. Atualmente, o país permite interromper a gestação apenas em casos de estupro e de risco para a vida ou a saúde da mãe.
O projeto divide a Câmara dos Deputados: de acordo com o jornal La Nación, 124 deputados são contrários à legalização do aborto, 121 favoráveis e 9 estão indecisos. A votação começou às 11h30 da manhã desta quarta-feira (13) e os debates devem permanecer durante todo o dia de hoje e de quinta-feira (14). Caso haja votação e o resultado fique empatado, o debate será reaberto.
Caso o novo projeto seja aprovado, a gravidez poderá ser interrompida além de 14 semanas apenas em casos de estupro, se representar um risco para a vida e a saúde da mãe, e também se o feto tiver alguma malformação, "incompatível com a vida extrauterina". Os médicos terão o direito de se negar a praticar abortos, por questões de consciência, mas nesse caso os centros de saúde precisam providenciar suficientes profissionais que possam realizar a operação e cumprir a lei.
— Há motivos de saúde pública. Tivemos três ministros da Saúde, os três com visões diferentes por pertencerem a governos distintos, e nisto coincidiam: a legalização do aborto melhora os cuidados de saúde das mulheres argentinas — afirmou ao abrir a sessão o deputado do governo Daniel Lipovetzky, que esteve encarregado dos debates.
Debate intenso
A Argentina foi pioneira na legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e na aprovação de uma lei que permite aos transexuais escolher o nome e gênero que querem colocar no documento de identidade. Mas, por razões pessoais, religiosas e políticas, os presidentes argentinos têm evitado abrir um debate sobre o aborto. Isso mudou em março.
Uma nova geração de feministas iniciou campanha, improvisando protestos nas praças e ruas do país. A imagem de milhares de jovens, sacudindo lenços verdes - símbolo da luta pelo aborto - foi capa dos jornais e se multiplicou nas redes sociais. Em discurso no Congresso, o presidente Mauricio Macri surpreendeu os argentinos, ao apoiar o início de um debate que, segundo ele, "tinha sido postergado durante os últimos 35 anos". Na Argentina ocorrem 500 mil abortos clandestinos por ano — 60 mil acabam dando complicações e terminam em internações.
— Os números demonstram que, apesar da proibição, as mulheres continuam abortando. Quem é de classe média e vive na capital pode dar um jeito, sem correr risco de vida. Mas, para as pessoas de baixo recursos ou que vivem no interior, não ter acesso a uma clinica, onde possa abortar legalmente, representa um risco de vida. Ignorar isso é ignorar a realidade — disse a jornalista e ativista Mariana Carbajal.
Inicialmente, o projeto de lei só tinha o apoio de 70 deputados, mas à medida que foi ganhando espaço, surgiram os protestos das organizações pró-vida. Marina Lampeduza, estudante de medicina, participou de uma marcha contra o aborto, vestindo a bandeira argentina.
— Estamos defendendo duas pessoas, a mãe e a criança, que está por nascer e não tem ninguém para falar por ela. Acho que o aborto não é a solução. O Estado deveria investir em educação e em políticas de apoio às mulheres que engravidaram sem querer, ou porque foram estupradas, e financiar programas de adoção— acrescentou.
Organizações de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional e as Mães da Praça de Maio (que buscam seus filhos desaparecidos na ditadura), também se somaram à campanha em favor do aborto. Já as organizações pró-vida contam com o apoio do Vaticano.
Como será a votação
O processo de votação deve ser longo e as previsões são de que termine nesta quinta-feira (14). Mesmo se for aprovada, a legislação terá que ser submetida ao Senado, considerado mais conservador que a Câmara dos Deputados.
— Para além das boas intenções, (o projeto de lei) subverte uma ordem biológica, biomédica, jurídica e histórica da nação — criticou o deputado Horacio Goicoechea, da União Cívica Radical, aliada do governo de Mauricio Macri.
— Nossa função é escutar. Não é uma decisão pessoal, mas do que nós representamos. Escutando os diferentes setores da província de Buenos Aires tomei a decisão de acompanhar — anunciou às portas do Congresso o deputado Fernando Espinoza, da agrupação peronista Unidade Cidadã.