Novos capítulos após referendo de autodeterminação organizado na Catalunha neste domingo (1º) devem ocorrer nos próximos dias. A consulta foi considerada ilegal pela Justiça espanhola. No entanto, tanto o governo catalão como o Parlamento rechaçaram a decisão do tribunal e mantiveram o referendo, considerado primeiro passo para a independência da região. O governo espanhol alega que o referendo fere a constituição e a unidade do país.
Horas depois do fim do referendo, o presidente regional da Catalunha, Carles Puigdemont, afirmou que os catalães "ganharam o direito de ter um Estado independente" da Espanha. O ministro espanhol da Justiça, Rafael Catalá, afirmou que o governo fará "tudo o que a lei permite para impedir" uma declaração unilateral de independência.
Veja abaixo os possíveis cenários:
Proclamação de independência
Puigdemont chegou ao poder em janeiro de 2016 prometendo a independência. O presidente regional da Catalunha reiterou que vai proclamá-la em razão da vitória do "sim" na consulta.
Segundo o Executivo catalão, a resposta positiva a um "Estado independente em forma de república" venceu com 90%, ou seja, 2,02 milhões de votos, e uma taxa de participação de 42,3%.
Puigdemont afirmou que enviará os resultados ao Parlamento da Catalunha, para que atue de acordo com a lei do referendo, aprovada no início do mês passado.
Com base em suas afirmações, o Executivo catalão pode declarar de maneira unilateral a independência de uma região fundamental para a Espanha, já que representa 16% de sua população e 19% do PIB.
Para o cientista político Oriol Bartomeus, da Universidade Autônoma de Barcelona, "os separatistas têm um roteiro e, depois do que aconteceu ontem (domingo) — seja, ou não, um bom resultado —, não têm outra saída a não ser continuar". Segundo ele, "é uma bola de neve que desce a montanha, que vai cada vez mais rápido e que ninguém pode parar".
Suspensão da autonomia catalã
Se a declaração de independência acontecer, "obrigará o Estado a intervir", aponta Javier Pérez Royo, professor emérito de Direito Constitucional na Universidade de Sevilha.
Ele se refere ao artigo 155 da Constituição espanhola, que permite ao governo — se uma região violar suas obrigações constitucionais e legais, ou "prejudicar seriamente o interesse geral do Estado" — "obrigá-la a respeitá-las".
Nunca acionado, muitas vezes foi apresentado como último recurso. O ministro espanhol da Justiça, contudo, pareceu, nesta segunda-feira (2), abrir as portas para sua aplicação. Segundo ele, o governo, que já colocou o orçamento catalão sob tutela, fará "tudo permitido por lei" para impedir a declaração de independência.
— Estamos em uma estratégia de ação-reação — disse Oriol Bartomeus, que evoca a aplicação do artigo 155, ou a prisão de Puigdemont.
Neste caso, protestos em massa provavelmente vão acontecer, como ocorreu após a prisão de 14 funcionários catalães em 21 de setembro passado, em Barcelona.
Oriol Bartomeus aposta em uma mobilização "semelhante àquela de 15 de maio" de 2011, quando o Movimento dos Indignados ocupou durante meses lugares públicos em todo país.
Outra dificuldade para o governo é que "mesmo com toda a mobilização policial, ele fechou apenas 4% das assembleias de voto", ressalta o cientista político Pablo Simon, para quem "o governo não controla o território na Catalunha".
Moção de censura contra Rajoy
O Partido Popular (PP) de Mariano Rajoy, presidente do governo espanhol, e os centristas do Ciudadanos — radicalmente hostis aos separatistas — não têm maioria absoluta na Câmara dos Deputados.
Em tese, os socialistas do PSOE e a esquerda radical do Podemos, apoiados por partidos regionais, inclusive catalães, podem assim reunir uma maioria para derrubar Rajoy.
— Rajoy pressionou até o fim, e essa pressão começa a se voltar contra ele — Royo.
Para Pablo Simon, uma moção de censura é um cenário que "não pode ser excluído, mas deve acontecer dentro de 48 horas. Se houver uma declaração unilateral de independência, não haverá compromisso possível, e todo o quadro estará quebrado".
No entanto, os socialistas que apoiam a "aplicação da Constituição" não parecem favorecer este caminho.
Isso implicaria que seu líder Pedro Sanchez fosse obrigado a importantes concessões aos separatistas, talvez um referendo formal de autodeterminação, algo que parte do PSOE rejeita categoricamente.
Negociações
Após cinco anos de diálogo surdo entre os catalães e o Estado espanhol, uma retomada das negociações parece muito improvável.
Puigdemont pediu "mediação internacional" para resolver a crise, sem especificar o que espera dela.
Simon vê, porém, "algo muito difícil pensar em como os moderados de cada campo poderiam se impor". Novas eleições regionais na Catalunha, como reivindicam os centristas do Ciudadanos, também são muito improváveis, acredita.
— Isso colocaria os contadores de volta ao zero — completou.