Rompendo com a ordem constitucional democrática da Espanha, os catalães pretendem ir às urnas, neste domingo (1), para votar um referendo de autodeterminação. A polícia espanhola tenta impedir a realização do pleito, confiscando bilhetes de votação, aumentando o contingente de segurança e prendendo políticos que estão por trás da organização.
Após cinco anos pedindo a consulta sobre a independência da região, rejeitada reiteradamente pelo governo espanhol de Mariano Rajoy, o presidente catalão Carles Puigdemont decidiu levá-la adiante desobedecendo as proibições judiciais.
— Tudo está preparado nas mais de 2 mil seções eleitorais. Elas têm urnas e cédulas, e têm tudo que as pessoas precisam para expressar sua opinião — afirmou em entrevista na sexta-feira (29).
Qual é a pergunta do referendo?
Segundo Puigdemont, a questão a ser respondida pelos catalães no referendo será: “Quer que a Catalunha seja um Estado independente em forma de república?”. Ela deve ser respondida apenas com sim ou não.
A Catalunha quer se tornar um país?
Sim. A Catalunha virar um país significa, para a população, a chance de reforçar a cultura própria da região, além de não precisar adotar as políticas de Madri, principalmente as relacionadas a questões econômicas. Com 7,5 milhões de habitantes, a Catalunha é uma região ao norte da Espanha, que possui um governo regional, o Generalitat, com suas próprias instituições, entre elas, a polícia (os Mossos d'Esquadra) e a Suprema Corte. A região também fala outro idioma, o catalão, com significativas diferenças em relação ao espanhol.
De onde surgiu o desejo dos catalães de se separarem da Espanha?
Foi na metade do século XIX que o sentimento nacionalista aflorou. Nos anos 1930, a Catalunha conseguiu autonomia política na Espanha e tentou declarar a independência de forma unilateral. Contudo, em 1936, com um golpe militar e com a Guerra Civil espanhola, o general Franco tomou o poder do país e permaneceu por 40 anos.
Com a morte do ditador, a democracia ressurgiu na Espanha e a nova Constituição restituiu a autonomia política da região. A partir daí, o partido majoritário foi quase sempre o nacionalista.
Em 2010, durante grave crise econômica na Espanha, as manifestações pró-independência da Catalunha se tornaram cada vez mais frequentes.
Entre tentativas frustradas de separação ao longo dos anos e a militância daqueles que a defendem, a história se encaminhou até o dia 7 de setembro deste ano, quando os partidos independentistas aprovaram uma lei para convocar o referendo de autodeterminação no dia 1º de outubro.
O Tribunal Constitucional espanhol reagiu e suspendeu, em caráter de urgência, essa lei, alegando inconstitucionalidade. No entanto, a Generalitat pretende fazer o referendo a todo custo.
Os catalães apoiam a separação da região?
Segundo a última pesquisa realizada pelo governo da Catalunha, a população está dividida sobre a separação do país. Conforme os dados, 49% dos catalães são contra a independência e 41% são a favor. De acordo com uma pesquisa realizada para o jornal El País, contudo, as pesquisas apontam que 61% acham que o referendo não é válido legalmente. Além disso, 82% desejam que os governos de Madri e Barcelona façam um acordo para realizar outro plebiscito dentro da legalidade.
Quem é Rajoy e quem é Puigdemont?
Mariano Rajoy, 62 anos, líder do conservador Partido Popular (PP), é o presidente do governo espanhol desde dezembro de 2011. Após as legislativas de 2016, governa em minoria com o apoio do partido liberal Ciudadanos, surgido na Catalunha para lutar contra o separatismo.
Rajoy batalhou contra o novo estatuto de autonomia da Catalunha aprovado em 2016, que dava mais competências à região e a elevava ao nível "nação". Seus detratores o acusam de ter deixado a questão catalã crescer e ter feito prosperar assim a causa separatista. Rajoy diz que não pode negociar o referendo na região porque é incompatível com a Constituição.
Carles Puigdemont, jornalista de 54 anos, é o presidente catalão que, desde a sua juventude, milita pela independência da região.
Chegou à presidência da Catalunha no começo de 2016 e desde então milita pelo referendo. Caso vença o sim, promete que a Catalunha empreenderá rapidamente a "desconexão" com o restante da Espanha.
Atualmente, é objeto de investigação por "desobediência", "prevaricação" e "desvio de recursos públicos", em razão da organização do referendo.
Como será realizado o referendo?
O governo separatista catalão assegurou, na sexta-feira, que tem previstos mais de 2,3 mil centros de votação para que, no domingo, os habitantes da região possam participar do referendo.
— Os pontos para votar em todo o território serão 2.315 colégios eleitorais — anunciou o porta-voz do Executivo regional Jordi Turull. — São convocados a votar um total de 5.343.358 catalães que têm direito de voto — acrescentou.
Contudo, o organismo criado para supervisionar o referendo foi dissolvido quando seus membros receberam multas de 12 mil euros (cerca de R$ 44,8 mil) diários por desobedecer o Tribunal Constitucional. Além disso, uma juíza ordenou que as polícias que operam na região fechem os espaços que devem ser utilizados como pontos de votação, como escolas, clubes e centros de saúde.
O referendo é ilegal?
Sim. Segundo o governo espanhol, o referendo viola a Constituição de 1978, que estabelece que a Espanha é indivisível.
Quais as medidas que o governo espanhol está tomando contra a realização do referendo?
O governo de Rajoy assegurou que não permitirá a realização do referendo. A Constituição espanhola não permite consultar a população sobre uma única porção do território quando se trata de questão nacional.
– Enquanto eu for presidente do governo, isso não vai acontecer – afirmou.
Desde o início do movimento, as autoridades espanholas já efetuaram prisões de políticos envolvidos na organização da votação e a apreensão de material de campanha.
Cerca de 10 mil agentes da Polícia Nacional e da Guarda Civil espanholas foram enviados à Catalunha para atuar nas operações contra o evento, informou o jornal El País. A Guarda Civil ficou encarregada de coordenar as atividades dos Mossos d’Esquadra, que também devem participar da mobilização.
A decisão foi considerada uma ingerência pelo governo independentista catalão, uma vez que a medida põe os a polícia catalã sob o controle espanhol. Por sua vez, a Procuradoria espanhola acusa os mossos de não cooperar com os dispositivos enviados nos últimos dias por ordem das autoridades judiciais.
A polícia catalã informou, em nota, que "cumprirá" as ordens da Procuradoria, embora "não concorde" que sua atividade seja "tutelada por um órgão dependente do Ministério do Interior".
A missão é delicada para os 16,8 mil mossos, dada a proximidade dos agentes com a população da região.
O que acontece depois do referendo?
O Parlamento da Catalunha se comprometeu a implantar o resultado da votação em 48 horas, o que levaria a declaração unilateral de independência caso fosse aprovada a criação de uma república catalã. Segundo a lei espanhola, contudo, o governo nacional ainda poderia invocar poderes de emergência e assumir pleno controle administrativo da Catalunha para impedir o ato separatista.
O que dizem os órgãos internacionais?
A ONU pediu, em comunicado divulgado na quinta-feira (29), que o governo espanhol respeite a liberdade de expressão e o direito de manifestação pacífica dos catalães. Os peritos da organização David Kaye e Alfred de Zayas disseram que as medidas adotadas por Madri para impedir a realização do referendo são "preocupantes".
"As medidas que estamos presenciando são preocupantes porque parecem violar direitos individuais fundamentais, limitando o fluxo de informação pública e a possibilidade de debate aberto em um momento crítico para a democracia espanhola", apontaram.
A União Europeia, por sua vez, deixou claro, desde o início do conflito, que a declaração de independência unilateral da Catalunha provocará sua saída imediata do bloco. A região, assim como qualquer outro país que quisesse entrar na união, teria de entrar para “a fila”.
"Se uma parte de um Estado membro deixa de ser parte desse Estado porque o território se torna um país independente, os tratados já não se aplicam a esse território e à nova região independente; de fato, por sua independência, se tornaria um terceiro país para a União Europeia e poderia solicitar o ingresso como membro da União".