Há três anos, quando Dzhokhar Tsarnaev foi incumbido por seu professor de Inglês do ensino médio a escrever um ensaio sobre algo que lhe despertasse paixão, ele escolheu a problemática terra de seus ancestrais: a Chechênia. Ele escreveu para Brian Glyn Williams, professor da Universidade de Massachusetts, em Dartmouth.
- Ele queria saber mais sobre suas raízes chechenas - recordou Williams, especialista na história do país - uma república de maioria muçulmana no sul do Cáucaso, na Rússia -Ele queria saber mais sobre a guerra genocida russa contra o povo checheno.
Tsarnaev nasceu no Daguestão e nunca morou na vizinha Chechênia, segundo parentes, mas o país o fascinava. O professor lhe enviou materiais cobrindo a deportação de chechenos por Stalin em 1944, para a Ásia Central, onde estima-se que 30 por cento deles tenham morrido, e as duas sangrentas guerras que a Rússia travou contra separatistas chechenos na década de 1990, matando cerca de 200 mil numa população de 1 milhão.
Enquanto policiais e agentes de contraterrorismo tentam entender por que Tsarnaev, de 19 anos, e seu irmão mais velho, Tamerlan, de 26, atacariam a maratona de Boston, eles terão de considerar uma enigmática mistura de identidade nacional, ideologia, religião e personalidade.
Mesmo o presidente Barack Obama, quando se dirigiu à nação após a captura de Dzhokhar Tsarnaev, parecia estar buscando respostas - Por que jovens que cresceram e estudaram aqui, como parte de nossas comunidades e nosso país, recorreram a tal violência?, questionou ele.
Ainda não se sabe se questões pessoais ou algum tipo de ideologia levaram os Tsarnaev a colocar pólvora em panelas de pressão para matar e mutilar pessoas desconhecidas, como investigadores descreveram.
Os dois irmãos eram abertos sobre sua devoção ao Islã, e as publicações de Tamerlan na web sugerem uma atração pelo radicalismo - mas nenhum deles parece ter abraçado publicamente a ideologia da jihad violenta. A construção das bombas usadas em Boston lembra instruções na revista "Inspire", publicação online do braço a al-Qaeda no Iêmen, mas o projeto também é disponibilizado em outros locais da internet.
Seus parentes manifestaram uma perplexidade angustiada frente às ações relatadas, e é concebível que o motivo para o ataque permaneça tão impenetrável quanto o de alguns fuzilamentos em massa nos últimos anos.
Mesmo assim, enquanto investigadores tentam compreender o pensamento dos irmãos, encontrar ligações com grupos militantes e tirar lições para evitar ataques, eles estarão pensando em alguns casos notáveis onde antigos residentes dos EUA (sem nenhum histórico de violência) voltaram-se ao terrorismo jihadista: o plano de explodir o metrô de Nova York em 2009, os tiroteios em Fort Hood no mesmo ano e a bomba descoberta na Times Square em 2010, entre outros.
- Nesses casos onde americanos recorrem à jihad violenta, acho que há frequentemente um senso de lealdade dividida - você é primeiro um americano ou primeiro um muçulmano? E também de se provar como um homem de ação - declarou Brian Fishman, que estuda terrorismo na New America Foundation, em Washington.
Fishman disse ser cedo demais para tirar qualquer conclusão sobre os irmãos Tsarnaev, mas reconheceu haver ecos intrigantes de outros casos onde jovens pegos entre a vida nos EUA e a lealdade aos colegas muçulmanos recorreram à violência, em parte como uma forma de resolver o quebra-cabeça de sua identidade.
Akbar Ahmed, diretor de estudos islâmicos na American University, em Washington, descreveu esses homens assim -Eles são americanos, mas não totalmente. Seu novo livro, "The Thistle and the Drone: How America's War on Terrorism Became a War on Tribal Islam", examina como os códigos tribais de hospitalidade, coragem e vingança moldaram a reação aos ataques americanos de contraterrorismo.
- Eles não conhecem de verdade o velho país - afirmou Ahmed sobre os jovens imigrantes atraídos à jihad - mas tampouco se encaixam no novo país.
Somam-se a isso sentimentos de culpa por estarem aproveitando uma vida confortável na América enquanto seus supostos irmãos sofrem numa terra distante, e um elemento de estranhamento pessoal - por exemplo, a declaração de Tamerlan numa entrevista muito anterior ao ataque, dizendo que, após cinco anos nos Estados Unidos - Não tenho nenhum amigo americano - e temos uma mistura explosiva.
- Eles ficam furiosos - disse Ahmed - Eles desejam causar dor.
Após cerca de uma década nos Estados Unidos, os irmãos Tsarnaev estavam matriculados na universidade - o mais velho no Bunker Hill Community College, embora tenha abandonado; o mais novo na Universidade de Massachusetts em Dartmouth. Tamerlan era um boxeador do Golden Gloves, casado e com um filho; Dzhokhar havia sido um aluno popular numa escola em Cambridge, e ganhou uma bolsa para a faculdade.
À primeira vista, eles estavam indo razoavelmente bem. Mas o mesmo poderia ser dito, ao menos em certos estágios de suas vidas, dos responsáveis por outros ataques recentes. Faisal Shahzad, que tentou explodir uma bomba na Times Square aos 30 anos, havia se formado na Universidade de Bridgeport em Connecticut e conquistado um MBA e trabalhava como analista financeiro. Ele se casou com uma americana de descendência paquistanesa, e o casal teve dois filhos. Ao se tornar cada vez mais focado na religião radical, porém, ele viajou ao Paquistão e buscou treinamento como terrorista.
Se a triste história chechena que Williams, o professor da Universidade de Massachusetts, compartilhou com Dzhokhar Tsarnaev acabar se mostrando como parte de sua motivação, alguém poderia esperar ódio direcionado aos russos, e não aos americanos. Mas em meados da década de 1990, explicou Williams, o movimento separatista checheno dividiu-se entre aqueles que focavam na luta local pela independência, e outros que viam sua luta como parte de uma jihad global.
Na propaganda iniciada pela al-Qaeda, o terrorismo é meramente uma autodefesa contra uma guerra dos EUA contra o Islã. Não houve declaração mais gritante dessa crença do que as afirmações de Shahzad no tribunal, quando ele se declarou culpado e foi condenado à prisão perpétua, sem direito a condicional, pelo atentado fracassado na Times Square.
Chamando a si mesmo de "um soldado muçulmano", Shahzad denunciou as guerras no Afeganistão e Iraque, além de ataques de drones no Paquistão e Iêmen. Os drones, segundo ele, "mataram mulheres, crianças, eles matam a todos".
- Trata-se de uma guerra e, na guerra, eles matam pessoas - acrescentou ele - Eles estão matando todos os muçulmanos.