Durante décadas, as serras majestosas e desfiladeiros sombreados da região oeste do Deserto de Neguev, ao longo da fronteira de Israel com o Egito, foram uma entrada convidativa para as praias virgens da Península do Sinai. Hoje, no entanto, pelo menos do lado de Israel, a paisagem escarpada de montanhas marrom-avermelhadas parece criar sombras mais longas e ter se tornado mais ameaçadora.
Autoridades de segurança israelenses apontam para a erosão da soberania e do controle egípcios na vasta e arenosa imensidão do deserto de Sinai, especialmente neste último ano, desde a revolução egípcia. Eles afirmam que o Egito tem se concentrado mais nos eventos que ocorrem no Cairo.
Anos de relativa tranquilidade foram maculados há alguns meses por um ataque terrorista através da fronteira, perto do resort israelense de Eilat, que deixou oito israelenses mortos. Desde então, a ansiedade em Israel tomou forma física, à medida que suas forças de defesa se apressam para concluir os 240 quilômetros da cerca de cinco metros de altura que irá se estender de Eilat até Gaza.
- Esta agora é uma fronteira perigosa. A principal ameaça pode ser definida como infiltração - disse o tenente coronel Yoav Tilan, comandante adjunto da brigada da região, em uma coletiva de imprensa em um tour recente da região fronteiriça.
Destacando o clima de tensão na região, forças israelenses que patrulhavam uma parte ainda sem cerca da fronteira mataram um infiltrado não identificado na noite de 27 de fevereiro, em um tiroteio com um grupo de suspeitos de contrabando. De acordo com o exército de Israel, em duas ocasiões no mês de fevereiro, soldados que patrulhavam a fronteira encontraram bolsas cheias de explosivos largadas por contrabandistas, que aparentemente fugiram novamente para o Egito.
O ataque de agosto ocorreu na estrada israelense conhecida como Rota 12, que acompanha a fronteira. Forças israelenses mataram três dos criminosos que haviam invadido o território de Israel, e cinco oficiais egípcios foram mortos acidentalmente pelas forças de segurança de Israel enquanto perseguiam os invasores.
Em resultado, cidadãos egípcios inconformados depredaram a Embaixada Israelense no Cairo, abalando ainda mais a paz entre Israel e Egito, que dura 30 anos, mas que já se encontrava fragilizada depois da derrubada do Presidente Hosni Mubarak, antigo aliado de Israel.
Uma parte da estrada mais próxima das posições egípcias - onde os atiradores emboscaram um ônibus, carros particulares e soldados de Israel - foi reaberta para o tráfego diurno de civis pela primeira vez no dia 26 de fevereiro.
O Sinai, uma região fronteiriça estratégica entre Israel e Egito, tornou-se popular entre os israelenses depois de ser dominado por Israel durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e continuou popular entre aqueles que procuravam um turismo mais alternativo mesmo depois que a região foi devolvida ao Egito, após tratado de paz com Israel, em 1979.
Recentemente, no entanto, a agência de contraterrorismo de Israel divulgou advertências rígidas para turistas que pretendessem visitar o Sinai. Informações vindas do outro lado da fronteira indicam que integrantes de tribos beduínas têm praticado sequestros-relâmpago de estrangeiros, ataques vêm ocorrendo em resorts de turismo e um duto que transporta gás natural do Egito para Israel tem sido repetidamente bombardeado.
Oficiais do exército israelense afirmam que existem hoje centenas de terroristas no Sinai, e que a atividade militante tem origem, principalmente, no enclave palestino de Gaza e, secundariamente, em células jihadistas globais originárias do norte da África. Os oficiais afirmam que a munição e as armas encontradas no local do ataque de agosto têm ligações com Gaza.
Os egípcios afirmam que as alegações ligadas a atividades terroristas são extremamente exageradas. Eles admitem que a região do Sinai há tempos tem servido de refúgio para um certo número de militantes. Mas, depois de uma operação militar recente na região, o Ministério do Interior Egípcio - talvez, de maneira um pouco otimista - disse que a região estava completamente livre de militantes.
- Já negamos qualquer presença da Al-Qaeda na região, assim como de qualquer outro grupo terrorista - disse o general Abdel Wahab Mabrouk, o governador local.
Ele admitiu, no entanto, que, desde a revolução, as armas têm proliferado e que a presença da polícia diminuiu em todo o país. Muitos outros afirmam que as forças policiais se retiraram completamente do Sinai, permitindo que a região se tornasse um centro de criminalidade apolítica. O próprio carro de Mabrouk foi roubado recentemente.
Ele afirma que não vê nada de errado em Israel defender a sua fronteira com uma cerca. Mas beduínos locais, que pediram para não serem identificados para evitar a prisão, afirmaram estar irados porque a cerca irá interferir com suas atividades de contrabando através da fronteira.
Outras pessoas há tempos afirmam que a criminalidade no Sinai está ligada a cláusulas do tratado de paz de 1979 que limitam a presença de soldados e policiais egípcios na região. Hala Mustafa, editora do jornal estatal Al-Dimuqratia ("democracia"), argumentou que o governo egípcio pode ter diminuído deliberadamente a segurança em Sinai para convencer Israel a modificar as disposições do tratado.
Apesar das tensões, o exército de Israel afirma que membros de sua unidade de intermediários na região estão em contato diário com representantes egípcios. Ao longo dessa fronteira reconhecidamente porosa, atravessada constantemente por contrabandistas beduínos, oficiais militares afirmam ser cada vez mais difícil reconhecer as diferenças entre criminosos, refugiados, terroristas, amigos e inimigos.
O Sinai, de acordo com outro comandante israelense, se tornou uma "plataforma para criminosos, para atividades terroristas e para fugitivos - para qualquer um que esteja fugindo de seu governo". Os cerca de 300 mil integrantes de tribos beduínas do Sinai e seus parentes beduínos no sul de Israel têm raízes nômades e uma tradicional falta de respeito por fronteiras artificiais.
Com poucas fontes alternativas de renda e negligenciados pelas autoridades locais, os beduínos há tempos tornaram o contrabando de produtos e pessoas uma parte importante de seu sustento. Entre os produtos estão drogas e armas leves e pesadas, e os contrabandistas mais sofisticados contam com veículos 4x4 e binóculos de visão noturna.
Desde 2005, as rotas de contrabando também têm servido para trazer mais de 50 mil africanos em busca de asilo político e migrantes econômicos para Israel. O plano original de Israel era construir a nova cerca fronteiriça para impedir esse fluxo humano. Mas Israel afirma que as rotas de contrabando têm servido cada vez mais como infraestrutura para o terrorismo.
E, neste terreno escarpado, as identidades muitas vezes se ofuscam e confundem. Oficiais do exército israelense na região afirmam que ainda não está claro se os responsáveis pelo ataque de agosto eram palestinos, beduínos ou fugitivos do governo egípcio.
A cerca, que já esta pronta até a metade, representa apenas parte de um sistema construído para dar segurança à fronteira, que inclui novas fortificações e ferramentas de vigilância de alta tecnologia.
O exército também conta com métodos tradicionais, como uma unidade composta principalmente de rastreadores beduínos, que investigam constantemente os caminhos de areia pisada que seguem paralelos à fronteira à procura de sinais de infiltração.
Os contrabandistas usam métodos pouco tecnológicos para tentar encobrir os seus rastros, como, por exemplo, colocar coberturas de madeira sobre os caminhos de areia, usar sapatos de pele de ovelha ou sapatos com solas coladas ao contrário, para parecer que estavam voltando para o Egito.
O conhecimento dos rastreadores beduínos é passado de pai para filho, e é preciso ter um olho aguçado e uma familiaridade grande com o deserto para conseguir identificar os rastros deixados pelos contrabandistas beduínos. Ao ser questionado sobre o que os rastreadores achavam de revelar os rastros de outros beduínos, o comandante beduíno da unidade de rastreamento da região deu de ombros e respondeu:
- Cada um tem o seu trabalho.