Parte das pacientes operadas pela médica Jeanine Marques Ayub, investigada pela Polícia Civil e pelo Conselho Regional de Medicina (Cremers) por supostos problemas em cirurgias plásticas, foi encaminhada por meio de uma parceria com uma associação chamada O Amor nos Move (Amove). A iniciativa reúne grupos de mulheres e médicos que oferecem procedimentos com descontos.
Jeanine integrou a associação por pouco mais de um mês e teria sido desligada do grupo após surgirem queixas de problemas na recuperação das pacientes. Reportagem do Grupo de Investigação (GDI) da RBS mostrou relatos de pacientes de Jeanine sobre extensas cicatrizes, próteses de silicone que se deslocam pelo corpo, procedimentos feitos sem combinação prévia e abandono no pós-operatório.
No Amove, profissionais oferecem procedimentos com desconto para mulheres que chegam até o consultório por indicação do projeto. Em 2020, em um grupo de WhatsApp com cerca de 250 mulheres, Gabriele Mennet, fundadora do Amove, publicou uma relação de descontos oferecidos pela cirurgiã Jeanine Marques Ayub para quem procurasse atendimento: "A rinoplastia ficará por R$ 6,5 mil já com hospital, anestesista, médica e equipe. O valor normal da rinoplastia é R$ 11,8 mil. Silicone ficará por R$ 8 mil (valor já com a prótese inclusa). E teremos um dia de dezembro em especial que estará por R$ 7,5 mil e terá três vagas!".
Ao responder a uma mensagem, Gabriele diz: "Lipo (lipoaspiração) Lad de alta definição o valor normal dela é R$ 14 mil, ficará por uns R$ 8,9mil — R$ 5,1 mil de desconto".
Gabriela afirma que a saída da médica do projeto se deu após um mês e meio, aproximadamente:
— Começaram a aparecer os problemas. Neste período, ela conseguiu operar 37 mulheres através de indicações do grupo. Mas começamos a ver que a recuperação das pacientes não estava sendo normal. Recebíamos muitas reclamações também. E, então, removemos ela do projeto.
Atualmente, a criadora do Amove tem na Justiça um processo cível contra Jeanine. Segundo ela, além de não aceitar a remoção do grupo e começar a procurar mulheres individualmente como se ainda estivesse ligada ao Amove, Jeanine não respondia aos contatos da criadora do projeto:
— Descobrimos que, nas reuniões que fizemos com ela antes de entrar no grupo, ela apresentou resultados de cirurgias que nem seriam dela, mas de outros profissionais.
"Vendeu a ideia do corpo perfeito e me deixou essas marcas"
Foi por meio da Amove que Maristela Bento da Silva, 36 anos, conheceu a cirurgiã plástica. Em janeiro de 2021, ela marcou uma operação sob os cuidados da cirurgiã no Hospital Porto Alegre, na Capital. Os atendimentos incluíam uma lipoaspiração, uma abdominoplastia e um enxerto nos glúteos.
Sem os resultados desejados, Jeanine ofereceu um segundo procedimento, em julho do mesmo ano. Desta vez, no Hospital Dom João Becker, em Gravataí. A mulher saiu do procedimento sem qualquer prontuário médico, receitas para as medicações pós-operatórias e comprovante do pagamento de R$ 13,5 mil pelo procedimento. A cicatriz deixada se estende de um lado ao outro do abdômen de Maristela. Da médica, a microempresária ouviu que os problemas seriam sua culpa, por ter uma "genética e pele ruins".
Sempre me tratou mal, e um dia simplesmente mandou eu ir procurar outro médico. Hoje, só para refazer a lipoaspiração, não me cobram menos de R$ 15 mil. E nenhum médico que procurei aceitou mexer nas cicatrizes. Ela vendeu a ideia do corpo perfeito, mas me deixou essas marcas.
MARISTELA BENTO DA SILVA
Paciente que passou por lipoaspiração, abdominoplastia e enxerto nos glúteos.
Segundo o Cremers, iniciativas como que as incentivem a compra de procedimentos médicos são vedadas pelo código de ética. O presidente diz que a entidade tem atuado para coibir a prática, a partir de denúncias.
— Se é um evento pedagógico, para apresentar a questão de cirurgia plástica, é sempre bem-vindo. Mas se é um evento puramente mercantil, é passível de sanções éticas disciplinares — diz o presidente do Cremers, Eduardo Neubarth Trindade.
Contrapontos
O que diz Carlos Reverbel, advogado de Jeanine Marques Ayub
Sobre a participação de Jeanine no Projeto Amove, a defesa alega que foi a própria médica quem deixou o grupo depois de saber que não havia nenhuma regularização da associação.
— Depois que a doutora Jeanine descobriu que não existia registro e regulamento para essa ONG funcionar, ela parou de operar. Então, ela operou ali dois meses e deixou de operar — afirma
A defesa também diz que os resultados que Jeanine apresentou para Gabriele foram de cirurgias feitas pela médica. E que os resultados eram apenas para que Gabriele avaliasse o trabalho, mas que ela teria passado as imagens para outras mulheres sem autorização da médica.
O que diz o Hospital Dom João Becker
A instituição disse que não irá se manifestar em razão de a profissional já estar respondendo na Justiça por reclamações de pacientes. "Por conta do processo em andamento, o Dom João Becker reserva o direito de manifestações externas para os agentes dos fatos nas devidas esferas competentes."
O que diz o Hospital Porto Alegre
O Hospital Porto Alegre (HPA) é propriedade da Associação dos Funcionários Municipais (AFM). O GDI entrou em contato com presidente da AFM, João Paulo Galvez Machado. Ele informou que, no período em que Jeanine teria operado no local, o hospital estava arredando para administração da Associação dos Médicos do Hospital Porto Alegre. O GDI entrou em contato com o profissional que seria diretor do hospital na época. Por mensagem, o médico Jair Dacás disse que “não tem nada a declarar”.
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