Recorrer a agiotas já é um risco alto. Entretanto, quando a vítima não consegue quitar a dívida, o problema foge de controle.
A reportagem conversou com duas vítimas da agiotagem na Região Metropolitana. Em um dos casos, a operação era feita por colombianos, num modus operandi semelhante ao já demonstrado pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) neste mês.
Em outra localidade, a cobrança abusiva e diária é feita por brasileiros. Em comum, os dois grupos apresentavam a fácil oferta de dinheiro, aparentemente sem riscos, mas que torna-se um caminho sem volta.
Dono de dois comércios na Região Metropolitana, um homem diz ter recebido a oferta por meio de um cartão entregue num dos estabelecimentos em que atuava. Segundo ele, um casal de colombianos passava diariamente de motocicleta pela comunidade onde vivia, demonstrando a possibilidade da retirada de dinheiro sem burocracia. Em certa ocasião, o homem aceitou a oferta, e logo outros agiotas surgiram.
Ele recorda que chegou a pegar dinheiro com seis pessoas diferentes, sendo mais de R$ 20 mil em apenas um dia. Enquanto os pagamentos eram feitos dentro da normalidade, não havia problemas. Entretanto, uma interrupção nas cobranças gerou surpresa:
— Ficaram uns 45 dias sem cobrar ninguém e nem informar nada. Um dia, voltaram dizendo que os juros desses dias estavam contando.
A dívida da vítima, então, saltou de R$ 6 mil para mais de R$ 60 mil. Em desespero, o homem tentou recorrer a outros agiotas, cobrindo os pagamentos para um com dinheiro de outro. A situação se transformou numa "bola de neve", como descreve o ex-comerciante.
Neste meio tempo, a vítima recorda-se de receber constantes ameaças, com fotos de parentes, capturas de telas dos perfis de redes sociais de conhecidos e o constante aviso de que os pagamentos deveriam ser quitados. Sem conseguir pagar, diz que as ameaças subiram de tom, até que um dia um caminhão estacionou na frente de um dos estabelecimentos e ordenou que a vítima e os familiares deixassem a região. Tudo foi levado, como ele notou ao retornar dias depois para ao menos encerrar o contrato de locação do espaço.
— Nesse dia, dois colombianos chegaram acompanhados de brasileiros, disseram que minha dívida tinha sido vendida para o tráfico e eles cobrariam a partir de então. Foi aí que levaram tudo do espaço onde trabalhava — recorda-se.
O homem vendeu o outro estabelecimento ainda aberto e deixou a cidade onde vivia na Região Metropolitana, indo para um local afastado, onde abriu um novo comércio. Lá, ainda assim, foi encontrado.
— Chegou um colombiano de moto um dia, me entregou um cartão e disse que sabiam quem eu era. Entendi como uma nova ameaça e precisei me mudar pela segunda vez — conta.
Veio então a alteração mais brusca. Desde a mudança no visual, deixando o cabelo crescer e ganhando peso, até o rumo no trabalho, abandonando de vez o sonho de trabalhar no próprio negócio.
— Hoje sou um andarilho, assim que me sinto, vivo escondido, inseguro. E já vi as pessoas que me cobravam em diversas situações, sempre tive medo que me reconhecessem.
Durante o período mais delicado da extorsão, o homem conta que tentou descobrir o máximo de informações dos cobradores. Seguindo o grupo, descobriu que atuavam em toda a Região Metropolitana, do centro da Capital até municípios mais distantes. Dos R$ 60 mil supostamente devidos, a vítima conseguiu quitar R$ 20 mil.
— Ainda tenho medo de que eles me encontrem um dia novamente — teme o agora ex-comerciante.
Cobrança diária sem fim
Em outra cidade da Região Metropolitana, os agiotas agem de maneira um pouco distinta dos colombianos: no lugar de parcelas diárias com juros determinados, são cobradas diariamente parcelas por tempo indeterminado, até que a vítima consiga quitar, de uma só vez, o que retirou no início.
Por exemplo, se alguém pede R$ 500 aos criminosos, precisa pagar uma parcela diária de R$ 30 até que tenha R$ 500 novamente para quitar a dívida de uma só vez.
Neste caso, a vítima conta que chegou a fazer três empréstimos e que paga diariamente aos criminosos cerca de R$ 100. Entretanto, o valor inicial já foi quitado diversas vezes só com as parcelas, mas não é o suficiente.
— Poderia ter comprado um carro com o tanto que já me tiraram — conta.
Sinto medo e vergonha. Medo de que me façam algo e vergonha de ter me colocado nessa situação.
VÍTIMA DE AGIOTAGEM
A necessidade inicial veio porque a vítima queria quitar uma dívida de cartão de crédito. Vendo um anúncio dos empréstimos facilitados nas redes sociais, resolveu entrar em contato.
Conforme conta, os cobradores são brasileiros. Em caso de atrasos nos pagamentos diários, que são feitos via Pix, alguém vai até a casa ou o comércio das vítimas para recolher o dinheiro vivo.
Agora, sem conseguir ter de uma só vez os cerca de R$ 1,5 mil que deve, a vítima segue fazendo as quitações diárias, que lhe custam quase R$ 700 semanais.
— Sinto medo e vergonha. Medo de que me façam algo e vergonha de ter me colocado nessa situação — desabafa.
Ambas as vítimas ouvidas pelo GDI dizem que teriam escolhido outro caminho se vendo diante do cenário atual. A ameaça aos devedores e também ao círculo mais próximo é o que mais causa medo. Os relatos de agressões entre as vítimas também ecoam, pois quem pede o dinheiro, principalmente em zonas comerciais, conhece outras pessoas que fazem o mesmo.
— A gente sai de um emprego, pega uma rescisão e abre um negócio com um sonho. Surge isso no caminho, achamos que é algo que vamos conseguir pagar, mas acaba destruindo tudo o que foi construído. Não vale a pena — lamenta o ex-comerciante vítima dos agiotas.