Cobrar dinheiro de quem deve para agiotas é o serviço que o colombiano Tiago exercia até poucos meses atrás. Seus chefes também são da Colômbia e o trouxeram para o Rio Grande do Sul, com a missão de evitar a inadimplência. Recentemente, ele largou tudo, decepcionado com as condições de trabalho e com a suspeita de que, por saber demais da atividade ilegal, corria riscos. Hoje atua em outro ramo e, na segunda-feira (10), concordou em dar uma entrevista ao Grupo de Investigação da RBS (GDI). Ele afirma estar disposto a fazer revelações à Polícia Civil. Aqui, os principais trechos do seu relato:
Passagens pagas, missão: cobrar inadimplentes
Tiago diz que atuava como segurança de rua, em seu país. Um colega o convenceu a vir ao Brasil. Conseguiu as passagens aéreas, instalou-se na Grande Porto Alegre. O serviço: convencer devedores a saldarem o débito com agiotas, colombianos radicados no Rio Grande do Sul.
— Eles emprestam dinheiro de forma ilegal, fazem lavagem para os cartéis.
Retenção de passaporte até devolver o dinheiro
O colombiano fala da organização do grupo. São feitas reuniões num escritório, como em uma financeira. Os cobradores recebem uma rota para exigir pagamentos dos devedores, com mapa, endereços, nomes dos inadimplentes. Por vezes, passam em 50, 70 lojas em um só dia. O cobrador chega a arrecadar de R$ 2 mil a R$ 3 mil em um expediente, mas ganha pouco. Recebe, em média, R$ 500 por semana. De alguns colombianos, os patrões retêm o passaporte, para que não fujam e não peguem dinheiro que não lhes pertence. Depois que pagam a passagem da vinda, o documento é devolvido.
— Alguns cobradores ameaçam comerciantes, brigam com eles. Eu nunca fiz isso, sei que é ilegal. Eu só dizia que era melhor eles pagarem.
Negócio não é novo
Tiago ressalta que os colombianos fazem agiotagem há mais de 20 anos no Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul. Ele informa que agora, com aumento da imigração, chegaram também migrantes venezuelanos. Ele está na Grande Porto Alegre há três anos.
— Quando cheguei, me retiveram o passaporte por alguns dias. Aí alertei que não podiam fazer isso, que corriam o risco de alguém ir à delegacia. Então me devolveram — relata.
O entrevistado comenta que, quando chegam, os colombianos vivem em uma casa com muitas pessoas. Com o tempo, passam para moradias individuais, inclusive alguns trazem suas famílias, como fez o próprio Tiago. Já os chefes preferem morar em condomínios, com mais conforto.
Sem noção da ilegalidade
O colombiano admite que seus compatriotas também exploram jogatina ilegal na Grande Porto Alegre (Bono a Estrela), mas diz que não trabalha com isso:
— Escuto eles vendendo. Quando abrem a boca, noto que são colombianos explorando jogo de azar. A verdade é que trabalhamos com ramos diferentes.
O informante alerta que os patrões não advertem as atividades são ilegais. Isso os imigrantes descobrem ao chegar ao Brasil. Muitos jogos de azar, como os explorados por cassinos, são permitidos na Colômbia.
Cartéis financiam empréstimos
O colombiano fala que a agiotagem e os prêmios da jogatina são bancados, quase sempre, pelos cartéis de drogas da Colômbia:
— No nosso caso, os patrões enviam dinheiro para os compatriotas no Brasil, que começam a emprestar dinheiro. Eles depositam o dinheiro num banco, mas o agiota tem de devolver. É uma maneira do grupo lavar dinheiro.
Entre os cartéis que menciona estão o de Medellín, o de Cáli e o do Valle del Cauca.
Ele afirma não saber se os colombianos no Brasil trabalham com tráfico também, mas acredita que as facções brasileiras exigem pagamento de pedágio para permitir que os estrangeiros atuem nas suas áreas com atividades ilegais.
Só emprestam para lojistas
A escolha de fazer agiotagem apenas com comerciantes é porque eles têm ponto fixo. Uma garantia para quem for lhes cobrar. Por isso, o agiota exige CPF, CPNJ, telefone e endereço da pessoa a quem vai emprestar dinheiro.
— O lojista não vai sair do seu local, aí é certo que terá de pagar.
Ele admite que alguns lojistas não conseguem pagar e precisam fechar portas ou sumir.
Decepção com o esquema
Tiago diz que se retirou da agiotagem porque teve um problema, sem especificar qual. Recorda que os patrões chegaram a falar que ele poderia ser sócio do escritório, mas viu que isso não iria acontecer, sequer se aposentar ele conseguiria.
— Aí começaram a desistir de mim, eu sabia demais. Queriam me mandar embora. Eu tinha de pagar as multas recebidas pela motocicleta. Aliás, nós temos de pagar por tudo que é prejuízo — lamenta o colombiano.
Tiago afirma que, se pudesse escolher, teria vindo ao Brasil para exercer uma atividade legal. Com os agiotas, não existem garantias.
— Passam o dia dirigindo moto, das 9h às 19h. Sofrendo acidentes, recebendo multas, sem contrato trabalhista. Quando dá problema, podem te mandar embora do dia para a noite.
Ele afirma que jamais fez carteira de motorista no Brasil: usava documento colombiano, mas não chegou a ser parado em blitze.