Em um desdobramento da Operação Lava-Jato, a Polícia Federal (PF) indiciou oito pessoas por propina supostamente cobrada para garantir obras da Trensurb. Foram indiciados pelo crime de corrupção passiva os ex-ministros Eliseu Padilha (MDB) e Paulo Bernardo (PT), o ex-deputado federal Marco Maia (PT), os ex-presidentes da estatal Humberto Kasper e Marco Arildo Cunha e outras três pessoas. A investigação é do delegado Aldronei Pacheco Rodrigues, titular da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros da PF no Rio Grande do Sul.
O caso envolve a extensão da linha do metrô entre São Leopoldo e Novo Hamburgo, concluída em 2014, a um custo final de R$ 953 milhões. Conforme as investigações, há indícios do recebimento de propina paga pela empreiteira Odebrecht aos investigados.
O inquérito foi aberto a partir das delações premiadas dos executivos da empreiteira Benedicto Barbosa da Silva e Valter Luis Arruda Lana. A tramitação do caso começou no Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido do ministro Edson Fachin, mas ele foi encaminhado para primeira instância após a perda de foro privilegiado por parte dos políticos investigados.
De acordo com a delação dos ex-executivos da construtora citada no relatório da PF, teriam ocorrido várias solicitações de propina em decorrência das obras. A primeira seria de Marco Maia (PT), que já ocupou a presidência da Trensurb. Ele teria pedido 0,55% do valor do contrato para ajudar a não "ter entraves no negócio”.
A segunda, do então deputado federal Eliseu Lemos Padilha (MDB), consistiria em 1% do valor do contrato, sob alegação de que o político teria auxiliado a Odebrecht na época da licitação, no ano de 2001, quando era ministro dos Transportes. Um terceiro pagamento de propina teria ocorrido para Paulo Bernardo, então ministro do Planejamento, filiado ao PT, que teria garantido a inclusão da obra da Trensurb no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O deputado Marco Maia também teria interferido para garantir pagamentos a dois dirigentes da Trensurb, conforme o delator Benedicto Barbosa da Silva. O ex-presidente da empresa de trens, Marco Arildo Cunha (sucessor de Maia no cargo), teria recebido 0,5% do valor da obra, e o ex-diretor Humberto Kasper, 0,25%.
Segundo a PF, nas planilhas de propina da Odebrecht não aparecem os nomes dos destinatários, mas os apelidos. “Aliado”, conforme os delatores e os documentos apresentados por eles, seria Marco Maia. “Sucessor” seria Marco Arildo Cunha. “Jornalista” seria Humberto Kasper. “Bicuíra” seria Eliseu Padilha. E “Filósofo”, Paulo Bernardo. Os codinomes foram confirmados pelos ex-dirigentes da empreiteira.
A investigação está embasada em um laudo pericial que descreve o material existente nos sistemas de informática usados pela Odebrecht - chamados de Drousys e MyWebDay, e o Banco de Dados Dump (Banco de Dados do MyWebDay B) - e o funcionamento destes. Desses arquivos foram extraídas as informações sobre registros de aprovação e pagamentos de propinas, o que inclui os indiciados no inquérito.
O Grupo de Investigação da RBS (GDI) apurou que, para o codinome Bicuíra (atribuído a Eliseu Padilha), por exemplo, o laudo traz todos os registros resgatados pela pesquisa do perito da PF. Eles foram confrontados com os e-mails em que houve as supostas tratativas para os respectivos pagamentos de propina. Neles aparecem 18 pagamentos registrados, que chegariam a mais de R$ 2,5 milhões, entre 2010 e 2012.
Já para Paulo Bernardo, o Filósofo, o valor seria de R$ 4,5 milhões, entre 2009 e 2013. Marco Maia teria recebido R$ 1,6 milhão, de 2009 a 2012. A Cunha é atribuído o recebimento de R$ 1,8 milhão, entre 2009 e 2011. Para Humberto Kasper, segundo a PF, os pagamentos seriam de R$ 507 mil, entre 2008 e 2011.
Também foram indiciados três supostos intermediários dos pagamentos: Ernesto Kubler Rodrigues (apontado pelo delator Valter Lana como sendo a pessoa indicada por Paulo Bernardo para receber a propina) e os gaúchos Paulo Albernaz Aramis Cordeiro (doleiro, responsável pelas entregas de dinheiro) e Ibanez Filter (que teria pego a propina para o ex-ministro Padilha).
O inquérito foi aberto em 11 de abril de 2017 pelo STF, mas ficou anos tramitando, enquanto os investigados interpunham recursos. O ex-ministro Padilha, por exemplo, alegou que os fatos já tinham prescrito, até por ele ter mais de 70 anos (quando os prazos de prescrição caem pela metade). Ele também tinha foro privilegiado.
Como Padilha, Maia e Bernardo, os três políticos envolvidos, não se elegeram recentemente, perderam o foro especial e o caso foi remetido à Justiça de primeira instância. Começou a ser investigado em agosto de 2020 e foi enviado à 22º Vara Federal de Porto Alegre, cujo titular é o juiz Adel Américo de Oliveira. Se condenados, os indiciados estão sujeitos a pena que varia de 2 a 12 anos de prisão, além de multa.
Não é a primeira suspeita envolvendo essa ampliação do Trensurb. O MPF já tinha aberto em 2011 uma investigação sobre possível superfaturamento na obra, cujo início em 2001 tinha um orçamento de R$ 270 milhões. Quando a ampliação foi concluída, em 2014, teve um custo final de R$ 953 milhões, após vários aditivos contratuais.
"A obra do ramal até Novo Hamburgo é marcada por vários vícios que oneraram seu custo e retardaram sua conclusão. O custo ficou em torno de R$ 100 milhões por quilômetro, valor notoriamente exorbitante, sem paralelo em administrações minimamente austeras, até porque a região não apresenta qualquer adversidade geográfica", diz um trecho da investigação, arquivada por falta de uma perícia nas obras.
CONTRAPONTOS
O que diz Daniel Gerber, advogado de Marco Maia:
“Era um movimento esperado e que claramente retrata o desespero da autoridade policial em concluir uma investigação que durava anos e que nada trouxe de concreto contra os investigados. Temos a mais absoluta convicção de que tal indiciamento não irá preponderar perante o Poder Judiciário”. Na época dos fatos, Marco Maia classificou as delações como “calúnias” feitas por delatores para se livrar de crimes cometidos.
O que diz Humberto Kasper, ex-diretor-presidente da Trensurb
A reportagem aguarda retorno da defesa dele. Na época em que o processo corria no STF, ele disse que não conhecia o assunto e não sabia do que se trata. Por isso, não teria como se pronunciar.
O que diz Marco Arildo Prates, ex-diretor-presidente da Trensurb
Não foi localizado pela reportagem. Na época em que tramitava o processo no STF, falou: "Não são verdadeiros os fatos relatados em delação premiada por executivos da Odebrecht. A execução da obra de extensão da Trensurb seguiu e respeitou todas as condicionantes estipuladas pelo Tribunal de Contas de União para realização da mesma.Tenho todas as contas de minha gestão aprovadas pelos órgãos de controle. Essas são acusações injuriosas, e vou provar minha total inocência e fazer que reparem os danos de imagem e profissional que me causaram. Estou à disposição da Justiça para o cabal esclarecimento dos fatos".
O que diz o ex-ministro Eliseu Padilha:
os advogados dele, Andrei Schmidt e Bruna Aspar Lima, informam que Padilha só irá se pronunciar nos autos do processo.
GZH não conseguiu localizar o ex-ministro Paulo Bernardo e os indiciados Ernesto Kubler Rodrigues, Paulo Cordeiro e Ibanez Filter. Na época do inquérito no STF, eles não quiseram se pronunciar à imprensa.