As direções do Guarani de Venâncio Aires e da Apafut negaram ter relação com o empréstimo de R$ 50 mil concedido pelo presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Francisco Novelletto, com recursos da entidade, ao empresário Fernando Otto. Ao explicar o motivo do auxílio concedido a Otto, Novelletto afirmou inicialmente, em reportagem publicada em dezembro, que o empresário precisava do dinheiro para quitar salários de jogadores do Guarani, evitando que o time deixasse de entrar em campo em uma partida decisiva.
O dirigente enviou à GaúchaZH fotocópia de um cheque de R$ 50 mil assinado por Otto, em favor da FGF, com data de 30 de abril de 2017. Junto à fotocópia do cheque, a tesoureira da FGF, Andréa Beschorner, dá o visto de "recebido", registrando por escrito que o documento se referia a pagamento de dívida de "antecipação do Guarani".
Horas depois da declaração e da apresentação do cheque, o próprio Novelletto emitiu nota afirmando que, embora tenha citado o time de Venâncio Aires como justificativa, Otto estava atuando em outro clube à época do empréstimo: a Apafut, sigla para Associação de Pais e Amigos do Futebol, com sede em Caxias do Sul e foco nas categorias de base.
A direção do Guarani esclareceu que, em setembro de 2016, época do empréstimo, não tinha ligação com Otto. O empresário assumiu a gestão do futebol da equipe entre dezembro de 2018 e março de 2019, informou Moacir Eisermann, diretor de Marketing do Guarani.
Jeferson Borges, coordenador-geral da Apafut desde 2011, confirmou que em 2016, período em que ocorreu o empréstimo, Otto atuava no clube como investidor. Naquele ano, o time sub-20 da Apafut foi terceirizado e o responsável era Otto. A categoria disputou o Gauchão sub-20, a Terceira Divisão e a Copinha. A equipe de jovens foi usada nas três competições. Borges diz desconhecer o empréstimo de R$ 50 mil.
— Essas questões de despesa eram de total responsabilidade dele. Eu não saberia informar de que forma ele agiu para pagar as despesas com a categoria sub-20. Não sei falar como ele conseguiu esse investimento (R$ 50 mil). Não cabe a nós — argumentou Borges, eximindo o clube de participação.
O coordenador-geral da Apafut afirmou não ter conhecimento de cotas de TV e outras modalidades de verbas da FGF a que o clube tivesse direito, o que afasta a justificativa de Novelletto de que o repasse a Otto era adiantamento de verba futura. Também permanece sem esclarecimento o motivo de ter havido suposta devolução dos R$ 50 mil se a operação se tratava de antecipação de valores, ocasião em que não há necessidade de ressarcimento à federação.
ENTENDA O CASO
— Os R$ 50 mil foram emprestados a Fernando Otto em 29 de setembro de 2016. Via WhatsApp, ele apelou a Francisco Novelletto dizendo que precisava do valor com urgência para quitar salários de jogadores.
— O combinado era que Otto devolveria o dinheiro da FGF em poucos dias. Um mês depois do empréstimo, Novelletto passou a interpelar Otto, que tinha deixado a FGF sem ressarcimento.
— "Fernando a Fgf não é minha se algum órgão pegar eu ajudando um amigo como fiz contigo caiu na boca do povo e não sei mais o que. Cara te vira e vai devolver os 50 pau até amanhã! Te vira (sic)", redigiu Novelletto em 25 de outubro de 2016.
— Até o final de janeiro de 2017, quando cessaram as extrações de mensagens do MP, Otto ainda não havia pago o valor à FGF.
— Novelletto apresentou fotocópia de um cheque pessoal de Otto, com data de 30 de abril de 2017, para indicar que houve a reposição. Não foi demonstrada a compensação do cheque ou comprovante de depósito.
— As trocas de mensagens entre o empresário e o presidente da FGF foram registradas pelo Ministério Público no relatório da Operação Rebote, que apura supostas irregularidades na gestão do Inter em 2015 e 2016. Otto virou réu por estelionato porque teria lesado o Inter na negociação do zagueiro Réver.
— O MP não inseriu o episódio no seu rol de investigações criminais. A pedido do órgão, a Justiça autorizou o compartilhamento do inquérito com a CBF, que poderá avaliar se houve infração administrativa.
— A reportagem pediu uma manifestação à CBF, mas a assessoria da entidade disse que não poderia responder devido ao recesso de final de ano.
CONTRAPONTOS
O que diz Francisco Novelletto: "Como ele (Otto) era apenas investidor e não presidente do clube, deixava um cheque dele de pessoa física de garantia, sempre em emergência de jogadores querendo fazer greve por onde passava. Foram várias vezes que fez empréstimos, como têm outros clubes que fazem de 20 a 30 empréstimos por ano e, depois, se abate em verbas de publicidade. Otto está nos clubes desde 2010, passou por no mínimo quatro clubes. Todos os clubes têm empréstimos desde 2004, quando virei presidente da FGF. Neste momento, 80% dos clubes do Gauchão já pegaram em 2019 mais de 70% da verba de 2020. Dentro daquele cheque em garantia, ele (Otto) deve ter pego, no mínimo, uns 20 empréstimos nos clubes por onde passou. Como ele terceirizava os clubes, exigi uma garantia de pessoa física. Aqui se trata de uma entidade privada, não tenho que ficar dando explicações".
O que diz o empresário Fernando Otto: "Tudo emprestado e pago. Pergunte ao Novelletto. Ele responde. Gastei uma fortuna e segurei sozinho (na Apafut)".