Entenda a reportagem em cinco pontos
- A Báril, empresa que fez fortuna e crédito no mercado imobiliário gaúcho com mais de 2 mil empreendimentos erguidos nos últimos 18 meses, sobretudo no Litoral Norte, agora é responsável por mais 500 imóveis fantasmas;
- Até 2013, a empresa entregava a cada verão 200 unidades de "segundas moradias", os chamados imóveis de lazer, usualmente nas praias;
- Problemas com a Justiça, decorrentes de danos ambientais, e a crise no mercado de imóveis em 2014 fizeram com que, desde 2015, a Báril deixasse de entregar 585 empreendimentos prometidos em cidades como Tramandaí, Xangri-lá e Imbé;
- Um dos sócios da empresa, Renato Báril, chegou a "declarar pobreza", ao solicitar em janeiro de 2018 o não pagamento das custas judiciais, alegando não ter condições de arcar com a defesa;
- A Báril diz que não tem prazo para concluir as obras inacabadas.
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Um imenso terreno baldio, terraplenado e com algumas vias traçadas, chama a atenção de quem passa pela RS-030 em Tramandaí. Ali deveria existir um condomínio de luxo.
Outdoors anunciavam para breve, naquele local, o Lagune Living Resort, mais um empreendimento da construtora Báril. Conforme dados de credores, repassados ao Ministério Público, a empresa chegou a vender 327 imóveis, mas nenhum foi construído ou entregue.
Os cartazes sumiram, os clientes também. A Báril entrou em dificuldades financeiras e até agora não cumpriu o prometido. Cedeu apenas nove apartamentos em outros residenciais para alguns compradores que tiveram sorte. Os demais pagaram parcelas e não levaram o imóvel.
A história do Lagune é apenas uma entre vários insucessos recentes da Báril. Em Xangri-lá, a construtora planejou e botou à venda 181 unidades no residencial Costero La Barra. Nenhum tijolo foi assentado, o terreno está vazio. Vinte e sete clientes receberam imóveis em outros residenciais administrados pela empresa no Litoral Norte, como compensação. Os demais, não.
Os dois residenciais são como fantasmas a assombrar a boa imagem da Báril, conquistada em mais de duas décadas de empreendimentos bem-sucedidos, sobretudo no Litoral. E todos de bom padrão arquitetônico.
A construtora fez fama, fortuna e crédito no mercado gaúcho. Ergueu 2.285 residências nos últimos 18 anos. Fazia venda na planta. Até 2013, entregava a cada verão 200 unidades. É especializada em "segunda moradia", os chamados imóveis de lazer, usualmente nas praias.
O abalo nos projetos veio de roldão e mistura dois fatores preponderantes: os problemas com a Justiça e a crise que perpassa o mercado de imóveis. Tudo começou com duas investigações que atribuíram à construtora responsabilidade por danos ambientais. Depois veio a crise econômica, da empresa e do país. Com financiamento restrito em decorrência das ações judiciais, a construtora não conseguiu honrar compromissos.
Não são apenas o Lagune e o Costero que ficaram no papel. Desde 2015, conforme o Ministério Público, a Báril deixou de entregar 585 unidades prometidas no Litoral. A maioria, 505, nos residenciais de Tramandaí e Xangri-lá. Mas também não foram completados o Las Olas, em Imbé, e o Páteo Marbella, em Xangri-lá. Esses dois condomínios possuem alguns apartamentos inconclusos, mas convivem com outros problemas. Áreas de uso comunitário prometidas não foram implementadas, como marinas e quadras esportivas.
Os condôminos do Las Olas, em Imbé, ainda padecem com um drama adicional: a Justiça acaba de condenar a Báril a demolir parte do condomínio, que teria sido construída em área de preservação ambiental (dunas). Os moradores desse residencial estão apavorados. Compraram os imóveis sem saber desse impasse judicial. Ainda não há um cálculo de quantas unidades seriam derrubadas.
Na sentença, o juiz Oscar Valente Cardoso, da 1ª Vara Federal de Capão da Canoa, considera que a construção do Las Olas afetou área de preservação permanente (APP) "tendo em vista que não foi observado o item das licenças ambientais que veda a edificação na faixa de 60 metros contados da praia para o interior, a partir da base da primeira duna frontal". Cerca de um terço do condomínio encontra-se em tal faixa de proteção, calcula o magistrado federal.
O juiz conclui que o empreendimento foi licenciado sem a realização de estudo de impacto ambiental e houve a preservação apenas das dunas frontais, sem afastar com isso a pressão do empreendimento sobre a fauna local evidenciada pela perícia. O caso tramita na Justiça Federal por envolver preservação ambiental em faixa litorânea.
Uma das condôminas do Las Olas é a advogada Sandra Fraga. Ela afirma que o clube social do condomínio está ameaçado de demolição:
– Somos compradores de boa-fé. Investi R$ 500 mil e a licença ambiental do Las Olas foi questionada na Justiça só depois. É verdade que a academia e o salão de festas estavam incompletos quando nos entregaram o imóvel. Agora vamos pagar pelos erros da construtora, sem nos oportunizar a defesa?
A crise da Báril resultou em mais de 400 ações judiciais contra a empresa, além de 13 processos trabalhistas e investigações no Procon-RS. Sentenças determinam a desconstituição da personalidade jurídica da Báril, medida que costuma ser adotada quando é verificado abuso ou fraude pela empresa. Os proprietários passam, por exemplo, a responder pelos débitos da companhia. No caso, há sentenças colocando no polo passivo os réus Jaime Báril e Renato Báril. Mesmo com esses abalos, a Báril não entrou em recuperação judicial.
R$ 500 mil e nada do imóvel
Grupos de clientes que pagaram pelos imóveis e não levaram estão organizados. Pressionam o Ministério Público, que cobra da construtora uma solução. O promotor Gustavo Munhoz, da Promotoria do Consumidor, tem inquérito civil público aberto e coordenou três reuniões desde outubro, nas quais a construtora se comprometeu a elaborar um plano de ação, até agora não implementado.
A Báril chegou a fazer parceria com outras empresas, como a Tecverde, do Paraná, para tentar concluir os residenciais. Isso possibilitou a finalização de 70 imóveis no Páteo Marbella e mais 30 em outros condomínios. Em troca, a Tecverde recebe lucros das vendas dessas unidades concluídas.
O residencial que está mais próximo da conclusão é justamente o Páteo Marbella, em Xangri-lá. Embora falte concluir apartamentos, o principal problema é que inexistem alguns bens de uso comum, pelos quais os proprietários pagaram, mas não levaram. GaúchaZH visitou o empreendimento. Os proprietários calculam que são necessários R$ 3,5 milhões para implementar benefícios que estavam previstos no condomínio e nunca foram feitos pela construtora. O que falta:
- Pista de skate
- Quadra poliesportiva
- Quadra de paddle
- Quadra coberta de tênis
- Espaço gourmet
- Cinco trapiches, um deles com pergolado e fogo de chão
- Aquecimento na piscina, que também tem vazamento
Além de problemas nas áreas de uso comum, alguns proprietários pagaram e jamais receberam seu imóvel no Marbella. É o caso do funcionário público Erni Wagner. Ele e a esposa, Ieda, afirmam ter investido mais de R$ 500 mil na compra de uma casa, na planta. Parte do dinheiro foi emprestada pelos sogros. Wagner diz que falta pagar apenas R$ 65 mil, mas o imóvel nunca foi construído. No lugar onde deveria estar a residência, vicejam capoeira e arbustos.
– São quatro anos de martírio, em que cobramos da Báril alguma explicação. Nenhum tijolo foi assentado. Era o sonho de uma vida que se desfez – afirma Wagner.
Uma aposentada de 63 anos, que prefere não ter o nome publicado, afirma ter aplicado R$ 200 mil na compra de um apartamento de dois dormitórios no condomínio Lagune, em Tramandaí. A ideia era que fosse usado pelo irmão, que tem poliomielite severa e, em Porto Alegre, tem de subir e descer 30 degraus de escada diariamente.
– Paguei em duas parcelas, uma de R$100 mil, em janeiro de 2016, e restante em novembro de 2016. O prazo de entrega era junho de 2017 e, até hoje, não fizeram a obra. Fui três vezes nos dois escritórios da Báril em Porto Alegre. Fomos recebidos pelos donos. Nada de devolverem meu dinheiro. Hoje os escritórios nem existem mais. Se a empresa estava em má situação financeira em 2016, por que ofereceu à população mais dois condomínios? – desabafa a aposentada, que cobra na Justiça o investimento devido.