Vereador em Porto Alegre e presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis (Creci-RS), Márcio Bins Ely (PDT) se tornou réu sob acusação de ter praticado o delito de peculato, caracterizado quando um servidor público se vale do cargo para obter vantagens pessoais indevidas.
O processo corre na 11ª Vara Criminal do Foro Central, conduzido pelo juiz Marcos La Porta da Silva. Também consta como ré no caso a professora municipal Viviane Simon Martins Costa, cedida ao gabinete de Bins Ely na Câmara e diretora do Creci-RS. Os dois já foram citados e apresentaram resposta à acusação. O crime de peculato prevê pena de dois a 12 anos de reclusão e multa.
O promotor Adriano Marmitt, da 5ª Promotoria do patrimônio Público, do Ministério Público, denunciou Bins Ely e Viviane em dezembro passado, após reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelar que a mulher se dedica cotidianamente a compromissos no Creci-RS, embora tivesse de cumprir o expediente no Legislativo municipal, função custeada pelos cofres públicos. Cinco dias após a entrega da ação do MP, em 20 de dezembro, o Judiciário aceitou a denúncia e tornou os acusados em réus, mas somente agora os fatos vieram a público.
Viviane é servidora da prefeitura de Porto Alegre, mas está cedida desde fevereiro de 2015 para atuar no gabinete de Bins Ely na Câmara, com carga horária de oito horas diárias. A cedência foi feita com ônus à origem: é a prefeitura quem paga o salário bruto mensal de
R$ 11,6 mil a ela.
Em 21 de setembro de 2017, uma quinta-feira, Viviane não bateu o ponto no Legislativo, mas foi feito ajuste posterior para abonar a falta como "horas justificadas". Na verdade, a professora estava em Alegrete, ao lado de Bins Ely, no ato de lançamento da pedra fundamental de nova delegacia do Creci. A situação se repetiu. Em 5 e 12 de maio de 2017, ela faltou ao trabalho na Câmara e o ponto foi ajustado para "horas justificadas", como se a funcionária estivesse trabalhando, conforme revela o relatório de efetividade funcional. Nas duas ocasiões, Viviane estava no Interior, em atos da entidade de classe.
O GDI cruzou dados de viagens da docente pelo órgão dos corretores de imóveis com o registro de atividades dela na Câmara. Entre 2016 e junho de 2017, a professora recebeu do conselho 52,5 diárias por atividades fora de Porto Alegre (R$ 26.825,00), se ausentando em pelo menos 46 dias úteis, em razão de viagens pelo Creci.
Na Capital, a servidora tem o hábito de marcar presença no Legislativo e, no início ou em meio ao expediente, ir para a sede do conselho, prática constatada no inquérito do MP, que apura o caso desde 2016.
Em 31 de outubro de 2017, o GDI flagrou a funcionária pública batendo o ponto na Câmara às 7h43min. Conforme a resolução 520/2017, são necessárias quatro marcações, mas neste dia, só houve registro uma segunda vez, às 13h15min. À tarde, Viviane permaneceu em plenária do Creci.
CONTRAPONTO
O que diz Márcio Bins Ely:
"A responsabilidade pela comprovação da efetividade por meio do ponto eletrônico é do servidor da Câmara Municipal. Portanto, a efetividade da corretora de imóveis Viviane Martins Costa, professora concursada da prefeitura de Porto Alegre e cedida ao meu gabinete, é da sua inteira responsabilidade.
Há dez anos, ela é corretora de imóveis e foi eleita conselheira regional do CRECI-RS para o período de 1º de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2018.
A Procuradoria da Câmara Municipal se manifestou considerando que, se não houver incompatibilidade de horário e prevalecer o interesse público, não há óbice legal em exercer as duas funções. No Parecer 77/2018, o procurador-geral Fábio Nyland considera "... possível o ajuste da jornada diária de trabalho da servidora, mediante utilização do banco de horas ou compensação de horários, afim de possibilitar sua participação, como conselheira, em reuniões do Creci-RS."
O que diz Viviane Simon Martins Costa:
"Sou professora municipal concursada há 29 anos. Professores e médicos têm prerrogativa constitucional para exercer mais de um ofício. A procuradoria da Câmara Municipal diz que estou agindo em conformidade com as determinações legais, em resposta à consulta formal sobre o ajuste da minha jornada diária de trabalho, mediante utilização do banco de horas ou compensação de horários, a fim de possibilitar a participação como conselheira nas reuniões do CRECI-RS.
Fui eleita pela categoria para os cargos de conselheira e diretora-secretária da entidade, autarquia federal de direito e interesse público, para um cargo honorífico, portanto sem remuneração. Para me ausentar da Câmara Municipal e participar de reuniões plenárias, utilizo o banco de horas ou compensação de horários, prerrogativa prevista na Resolução de Mesa que regula registro eletrônico de efetividade dos servidores."