Vereador em Porto Alegre e presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), Márcio Bins Ely (PDT) é investigado pela atuação tanto na Câmara Municipal quanto no órgão de classe. O parlamentar distribuiu propaganda eleitoral e vendeu ingressos para um jantar de arrecadação de fundos ao custo de R$ 1 mil a funcionários do Creci durante a campanha, em 2016.
O caso é apurado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Desde maio, a gestão do conselho também é alvo de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), já que se trata de autarquia federal. A outra investigação, promovida pelo Ministério Público, diz respeito ao desvio de função de uma funcionária cedida pela prefeitura de Porto Alegre para trabalhar no gabinete do vereador (leia abaixo). O Grupo de Investigação (GDI) da RBS constatou que a servidora paga pelo município dá expediente no Creci e viaja para o Interior para eventos do órgão.
O suposto uso político-partidário da entidade é relatado em processo por assédio moral no MPT. Segundo os depoimentos, ex-funcionários teriam sofrido pressões para contribuir com a campanha de Bins Ely.
Corretor e advogado, Bins Ely foi eleito em 2015 para presidir o conselho. Em 1º de junho de 2016, o pedetista se licenciou do Creci para concorrer à reeleição — hoje exerce o terceiro mandato de vereador.
Entre 23 de agosto e 12 de setembro do ano passado, Márcio André da Silva, homem da confiança de Bins Ely, procurou um dos funcionários do conselho para oferecer ingresso de uma janta de arrecadação para campanha no valor de R$ 1 mil.
"Olá. Segue (sic) os dados da conta!", escreveu em agosto daquele ano, via WhatsApp.
Em setembro, como o repasse ainda não havia sido efetuado, fez novo contato:
"Desculpe estar te encomendando (sic)! Tô fazendo um levantamento dos convites!"
Após o funcionário da entidade confirmar que compraria o bilhete, Silva escreveu: "Obrigado, presidente agradece a parceria!".
Com os ingressos, o comitê do vereador reuniu R$ 18,5 mil de pessoas ligadas ao Creci — cerca de 10% dos R$ 183.114,58 da receita da campanha.
Ao MPT, ex-empregados do conselho afirmaram ter sofrido assédio para comprar o convite.
Em agosto de 2016, funcionários do Creci foram procurados para adotar em seus perfis em redes sociais a marca de Bins Ely. A montagem trazia nome, slogan e número do candidato. Uma das responsáveis pelos contatos foi a companheira de Bins Ely, a advogada Joseane Ribeiro, que integrava o Comitê Digital da campanha. Em abordagem, pelo WhatsApp, Joseane escreveu a uma funcionária do Creci:
"Estamos personalizando fotos para divulgar o número do nosso candidato, vou encaminhar a sua, podendo nos auxiliar nessa caminhada agradecemos". A mulher se negou a aderir. Ela foi demitida após o regresso de Bins Ely à presidência do conselho.
Desvio de função de funcionária
Desde 26 de fevereiro de 2015, a professora municipal Viviane Simon Martins Costa está cedida pela prefeitura para atuar na Câmara de Vereadores da Capital, no gabinete de Márcio Bins Ely, com expediente de oito horas. A cedência foi feita com ônus à origem, ou seja, é o Executivo quem paga o salário bruto de R$ 11,6 mil a Viviane.
Ela foi eleita conselheira do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci) em 2015, na chapa encabeçada por Bins Ely, e também ocupa o cargo de diretora-secretária, pelo qual não recebe salário, mas ganha diárias e jetons (remuneração pela participação em reuniões). Embora cedida ao gabinete do pedetista, Viviane atua, de fato, no Creci.
Em 21 de setembro de 2017, uma quinta-feira, Viviane não bateu o ponto na Câmara, mas foi feito ajuste posterior para abonar a falta como "horas justificadas" – mecanismo permitido no caso de esquecimento de registro ou atividade parlamentar fora da Casa.
A professora estava em Alegrete, ao lado de Bins Ely, no ato de lançamento da pedra fundamental de nova delegacia do Creci.
Não era caso isolado. Em 5 e 12 de maio de 2017, Viviane faltou ao trabalho no Legislativo e o ponto foi ajustado para "horas justificadas", como se a funcionária estivesse trabalhando, conforme revela o relatório de efetividade funcional. Nas duas ocasiões, ela estava no Interior, em atos do Creci.
O Grupo de Investigação da RBS (GDI) cruzou dados de viagens da docente com o registro de atividades dela na Câmara. Entre 2016 e junho de 2017, a professora recebeu do conselho 52,5 diárias por atividades fora de Porto Alegre (R$ 26.825,00). Ela se ausentou em pelo menos 46 dias úteis, em razão de viagens pelo Creci. As informações constam no Portal Transparência da entidade.
Na Capital, a servidora tem o hábito de marcar presença na Câmara e, no início ou em meio ao expediente, ir para o Creci.
A prática foi constatada como cotidiana, desde 2016, em inquérito do Ministério Público (MP), que investiga a conduta de Viviane e de Bins Ely por suspeita de peculato-desvio.
Em 31 de outubro de 2017, o GDI flagrou a funcionária pública batendo o ponto na Câmara às 7h43min. Conforme a resolução 520/2017, são necessárias quatro marcações, mas neste dia, só houve registro uma segunda vez, às 13h15min. À tarde, Viviane permaneceu em plenária do Creci.
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CONTRAPONTOS
O que diz Márcio Bins Ely
"Todas as ilações relativas a oferecimento de convites, contatos de pedido de apoio a eleitores com indicativo tendencioso de que o gabinete teria sido usado para fins eleitorais e vice-versa constituem explicitamente um jus esperniandi do grupo vencido (na eleição da diretoria do Creci), que nem completados três meses de gestão já iniciou processo de denuncismo, pois a primeira denúncia contra a diretora Viviane Costa data de abril de 2016, quando ainda exercia mandato como 2ª diretora-secretária.
Registro que minha atuação na presidência do Creci é honorífica, além de ser cumprida com elevado sentimento de amor à profissão. Todos os atos dessa gestão foram praticados de maneira legal, com transparência e sob o enfoque das decisões coletivas.
Os convites para atividades eleitorais, tanto para eventos, como apoio cibernético, se deram no formato sugestivo e em nenhum momento de forma impositiva. As demissões ocorridas no Creci estão baseadas na CLT. Os funcionários que foram demitidos foram admitidos sem a realização de concurso público e não há relação alguma com o período eleitoral, muito menos proximidade."
O que diz Joseane Ribeiro
Nega ter feito contato com funcionários do Creci para oferecer propaganda eleitoral de Bins Ely.
"Não sou funcionária do Creci. Fiz alguns contatos, mas não com essas pessoas. Eram pessoas genéricas. Eu era colaboradora do comitê digital, não era paga para isso, estava lá de forma espontânea. De forma alguma fiz contato com nenhuma das pessoas."
O que diz Márcio André da Silva
Afirma não se recordar da venda de ingressos de R$ 1 mil aos funcionários do Creci. "Não tenho nada a informar sobre isso. Não estou sabendo desta situação."
O que diz Viviane Simon Martins Costa
Procurada por telefone e e-mail, não se manifestou.