Auditores da prefeitura verificaram que, em apenas 12 meses, a Cooperativa dos Trabalhadores Autônomos das Vilas de Porto Alegre (Cootravipa) cobrou R$ 612.986,40 pelo trabalho de funcionários que não compareceram ao serviço em Casas de Bombas de Porto Alegre. Ou seja: a cidade pagou por serviços não realizados nas instalações, fundamentais para prevenir enchentes.
Apesar dos apontamentos, o executivo municipal não investigou o caso. E mais: há poucos dias, renovou por mais seis meses o contrato com a cooperativa que prevê os mesmos serviços. Ainda que a inspeção especial da Controladoria-Geral do Município (CGM), feita no ano passado, tenha mostrado cobrança a mais e diversas outras irregularidades.
Nos últimos cinco anos, a Cootravipa recebeu R$ 14.950.183,41 para prestar serviços de operação das Casas de Bombas ao Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), segundo o Portal Transparência da prefeitura. Agora, a renovação por mais seis meses prevê um gasto de R$ 1.542.742,20. O prejuízo pode ser maior: o valor de R$ 612 mil apurado pelos auditores corresponde só ao período entre fevereiro de 2015 e fevereiro de 2016, enquanto a cooperativa é contratada desde 2012. "Cumpre ressaltar que a contratada manteve um contrato com a Administração Municipal por 48 meses", destacaram os auditores em trecho do documento.
Além dos 12 meses analisados, a auditoria da prefeitura fiscalizou pagamentos feitos de março a maio de 2016, quando a Cootravipa havia vencido licitação de novo contrato para o mesmo trabalho. E, nesses três meses, também encontrou inconsistências – indícios de que a cooperativa seguia cobrando valor cheio pelo número de funcionários previstos em contrato, apesar de estar fornecendo trabalhadores em número menor.
Auditoria viu problemas na execução dos trabalhos
Conforme os auditores, entre fevereiro de 2015 e fevereiro de 2016, foram pagos por mês, em média, 37 funcionários a mais do que os que realmente cumpriram expediente. Isso deu um valor mensal por serviços não feitos de R$ 51 mil, totalizando R$ 612.986,40 em 12 meses. Também foi registrado pelos auditores que havia cobrança mensal de ferramentas, materiais de limpeza, locação de veículos e fornecimento de aparelhos celulares sem a comprovação nos processos de pagamentos.
A inspeção apontou ainda problemas na execução do trabalho. Entre julho e agosto do ano passado, auditores visitaram 11 das 21 Casas de Bombas em funcionamento em Porto Alegre. Fizeram a verificação levando em conta itens previstos no projeto básico, que é o documento onde estão descritas as obrigações da empresa contratada para o serviço. De 15 itens analisados, sete foram descumpridos pela Cootravipa. Em nenhuma das 11 instalações, a cooperativa cumpriu tudo o que estava previsto em contrato. As falhas apontadas incluem: fornecimento de menos funcionários do que o previsto, falta de fiscalização do trabalho pela cooperativa, falta de visitas do responsável técnico da empresa, falta de equipamento de proteção individual e de ferramentas.
TCE proibiu pagamentos, mas Justiça suspendeu decisão
Apesar de minucioso, o levantamento da Controladoria-Geral do Município até hoje não foi usado pela prefeitura para apurar responsabilidades ou cobrar os valores considerados irregulares, pagos no contrato que se encerrou no começo de 2016. Enquanto isso, o contrato em vigor dos serviços nas Casas de Bombas já sofreu apontamentos e teve pagamentos proibidos pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Em inspeção especial aberta a partir da série de reportagens Dinheiro pelo Bueiro, de ZH, o TCE detectou superfaturamento de R$ 45,6 mil e os seguintes problemas na execução dos serviços, entre outros: "descumprimento de obrigações pactuadas, como ausência de fiscalização in loco, cobrança indevida de ferramentas e equipamentos que sequer foram disponibilizados pela empresa, conforme previsão contratual, e deficiência de fiscalização por parte do DEP". Também foram destacados problemas na licitação, já antes apontados pela própria CGM.
Com base no que encontrou, o TCE emitiu, em abril, cautelar proibindo que o DEP fizesse pagamentos à Cootravipa nesse e em outros contratos. Na segunda-feira, no entanto, a cooperativa obteve no Tribunal de Justiça a suspensão parcial da decisão do TCE, e parte dos pagamentos foi liberada.
CONTRAPONTOS
O que diz Bruno Miragem, procurador-geral do município:
"A PGM buscará o ressarcimento de qualquer valor que tenha sido pago irregularmente."
O que diz Ramiro Rosário, secretário de Serviços Urbanos:
"O TCE solicitou suspensão desse pagamento. Há projeto básico sendo desenvolvido para nova licitação. Na impossibilidade de deixar esse serviço sem prestação, foi feita a renovação do contrato".
O que diz Imanjara Marques de Paula, presidente da Cootravipa:
"Tivemos acesso foi a uma glosa de R$ 45 mil (do TCE), no contrato que começou em março de 2016. Estamos fazendo contraprova, é bem claro que não teve superfaturamento, que as pessoas trabalharam, que os postos estavam lá, temos registro disso. Mas não fomos notificados sobre os R$ 600 mil".
O que diz Daniela Bemfica, ex-diretora-geral do DEP:
"O apontamento da CGM era sobre um contrato que não estava mais vigente. Assim, na ocasião, não havia mais nenhuma medida administrativa passível de ser tomada pelo DEP. O cabível seria o ajuizamento de ação contra a contratada (e eventualmente os fiscais do contrato no período em questão) para ressarcimento desses valores. Quanto ao contrato em vigor, houve alteração da fiscalização, ainda em agosto de 2016. O novo fiscal tem atuado com bastante rigor. A contratada já foi notificada por diversas vezes em função de falhas diversas. O TCE apontou nesse contrato um pagamento a maior de R$ 45 mil, esse desconto já foi realizado. Por tratar-se de serviço essencial, o contrato vigente foi renovado, mas assim que for contratada nova empresa, será automaticamente rescindido".