A Polícia Civil concluiu investigação sobre irregularidades em um contrato de aluguel firmado pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e indiciou sete pessoas, entre elas, o ex-presidente da fundação, Marcelo Machado Soares.
Conforme a Delegacia de Repressão a Crimes contra a Administração Pública (Deat), houve "conluio" entre servidores da Fasc para que o negócio fosse concretizado com preço de aluguel "exorbitante".
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O foco do inquérito, aberto após reportagem publicada em Zero Hora em novembro do ano passado, é um imóvel usado para a instalação de um abrigo para crianças e adolescentes, situado no bairro Glória, em Porto Alegre. A casa pertencia a José Carlos Lucas Machado e sua mulher, Meriângela Simas Perillo Machado. Quando aluguel foi firmado, os dois ocupavam cargos em comissão na prefeitura de Porto Alegre. Na condição de servidores públicos, por lei, não poderiam firmar negócio com o executivo municipal.
Para burlar essa proibição, o casal simulou, conforme apurou a polícia, a venda da casa para mãe de Meriângela, a esteticista Ana Maria Simas. O negócio teria sido feito por R$ 250 mil, valor bem abaixo de mercado e da avaliação feita pela própria prefeitura, que foi de R$ 670 mil. Além disso, antes da suposta venda para Ana Maria, a casa havia sido anunciada em imobiliárias locais por valor bem maior: varia de R$ 800 a R$ 880 mil.
A investigação aponta que, quando o contrato de aluguel (pelo prazo de cinco anos e com valor total de R$ 600 mil) foi assinado entre a Fasc e Ana Maria, o imóvel ainda pertencia ao casal. O negócio foi assinado em 16 de dezembro de 2015. No mesmo dia, o casal registrou em tabelionato um contrato particular de promessa de compra e venda do imóvel tendo Ana Maria como parte interessada na compra.
Mas a efetivação do negócio e colocação da casa em nome da esteticista só ocorreu em 17 de fevereiro de 2016. O inquérito ressalta que a fundação firmou contrato com pessoa que não era a real proprietária do imóvel. Também aponta que o valor mensal do aluguel, de R$ 10 mil, foi superfaturado.
Segundo o delegado Max Otto Ritter, titular da Deat, delegacia especializada do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), gestores da Fasc tinham ciência das irregularidades do negócio. Inclusive, a polícia destaca que técnicos do controle interno da Fasc chegaram a questionar o negócio, mas, ainda assim, ele foi feito.
Os investigados foram indiciados por peculato e associação criminosa. Além do ex-presidente da fundação, do casal e de Ana Maria, foram indiciados o ex-diretor financeiro da Fasc, José Juarez Silveira Pereira, a servidora Landia Maria Araújo Cunha e o dono da imobiliária Luagge, Luigi Antônio Gerace.
A conclusão do inquérito destaca que houve "dolo dos investigados em apropriar-se e desviar dinheiro público proveniente da Fasc decorrente de aluguel fixado a preço exorbitante, figurando em polo contratual uma laranja de servidor público, tudo a dar aparência de legalidade a um negócio em verdade simulado".
Meriângela é militante do PP. Inclusive, a casa em que foi instalado o abrigo chegou a ser usada para reuniões de campanha e colocação de banners de candidatos do partido.
CONTRAPONTOS
O que diz a Fasc:
"Em 2015, na gestão passada, Prefeitura e Ministério Público assinaram um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para garantir a inserção de acolhidos no Abrigo Residencial 12 (imóvel no bairro Glória) na área da saúde, educação e outras atividades de lazer e cultura. Foi construída, juntamente com as secretarias envolvidas, uma articulação que garantiu a matrícula dos acolhidos na escola e o atendimento para saúde mental dentro do território onde a casa está localizada.
A Fundação de Assistência Social e Cidadania está trabalhando com a transferência dos acolhidos para outro local que tenha serviços de saúde e que possa absorver os meninos do abrigo sem prejuízo aos assistidos e que garanta a continuidade das atividades.
Cabe destacar, ainda, que existe uma dificuldade no aluguel de imóveis, pois muitos proprietários, ao terem conhecimento da finalidade (instalação de serviço de acolhimento que atende adolescentes), resistem em prosseguir com o contrato. Infelizmente, há resistência e preconceito.
De toda forma, ciente de sua responsabilidade, a FASC já está em transição para um novo imóvel que receberá os abrigados do AR12, que serão transferidos até o final de abril de 2017. Nesse processo serão garantidos aos abrigados todos os serviços hoje prestados."
O que diz Marcelo Machado Soares, ex-presidente da Fasc:
A esposa de Marcelo informou que ele está viajando e sem telefone.
O que diz Letícia Sinatora das Neves, advogada de José Carlos Lucas Machado, Meriângela Simas Perillo Machado e Ana Maria Simas:
"Primeiro preciso ter acesso à conclusão do inquérito para depois me manifestar".
O que diz José Juarez Silveira Pereira, ex-diretor financeiro da Fasc:
"Ainda não tomei ciência do resultado da investigação".
O que diz Landia Maria Araújo Cunha, servidora da Fasc:
"Não quero me manifestar".
O que diz Luigi Antônio Gerace, dono da imobiliária Luagge:
"O que eu tinha que falar já falei para a polícia".