Após a publicação de reportagem do Grupo de Investigação (GDI) da RBS sobre as centenas de casas de jogos clandestinas que operam em Porto Alegre, o chefe de Polícia, Emerson Wendt, determinou investigações do Denarc para apurar o envolvimento de alguns estabelecimentos com o tráfico de drogas. Um dos bares flagrados com máquina caça-níquel oferece telentrega de cocaína.
Wendt negou que a prática de exploração do jogo ilegal esteja banalizada, mas confirmou que a prioridade são outros crimes. Ele esclareceu que, em vez de fechar uma casa clandestina num dia para vê-la reabrir no outro, a Polícia Civil está trabalhando com paciência e inteligência para vincular maquineiros a crimes mais graves, sobretudo lavagem de dinheiro.
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Leia a entrevista:
O Departamento de Polícia Metropolitana afirma que verifica casos de casas clandestinas de jogos quando há denúncia, mas, caso não haja, a prática não recebe atenção por existirem outras prioridades. Fica impressão de que determinados delitos passaram a ser aceitos, desde que praticados discretamente. Como avalia?
Eu acho que não. Na verdade, o contexto dos jogos de azar, no sentido geral, tem aceitação social, isso é claro e evidente. É como a questão do consumo de droga. Só existe aquele ambiente porque tem jogador. Só existe traficante porque tem o usuário de droga. E só existe o furto e roubo porque alguém recepta. Essa é a lógica do crime.
O que mais chama a atenção, e tivemos Operação Sicília II em Camaquã (ação prendeu exploradores de jogo acusados de lavagem de dinheiro e homicídio), é quando a questão do jogo de azar está vinculada a outros crimes, como homicídio. Isso acaba tendo uma atenção especial.
Neste caso de Camaquã, houve também lavagem de dinheiro por parte dos investigados. São contextos que precisam ser avaliados, trabalhados numa investigação mais demorada. Por si só, o combate ao jogo de azar, você fecha em um lugar, e eles abrem em outro. E não há uma descapitalização. Nós temos de pensar na descapitalização do pessoal que trabalha com esse tipo de crime.
A Câmara Recursal Criminal da Justiça gaúcha está absolvendo exploradores de máquinas por entender que a lei de contravenção não se aplica mais. Isso desmotiva o trabalho policial?
Sim, não adianta a polícia fazer o trabalho e, lá na frente, não haver o reconhecimento judicial e uma condenação nesse sentido. O trabalho da polícia é dispendioso e, entre aspas, é colocado fora nesse contexto. O caminho é correlacionar (os maquineiros) com outros delitos mais graves, como lesões, ameaças, homicídios e, principalmente, a questão da lavagem de dinheiro.
Em um dos locais flagrados pela reportagem, havia jogo caça-níquel com telentrega de cocaína. Essa modalidade que envolve máquina e consumo de droga é mais preocupante?
Isso chama a atenção e merece certamente um olhar e atuação do Denarc (Departamento de Investigações do Narcotráfico). Nunca se descartou a vinculação do jogo de azar com outros delitos, inclusive com o tráfico de drogas. Mas tem de investigar pontualmente. A não vinculação é justamente para não chamar a atenção. Quando há outros delitos sendo cometidos no local, isso chama atenção e acaba atraindo as autoridades.
A indústria do jogo do bicho, do caça-níquel e do bingo é organizada e tem histórico de assassinatos, lavagem de dinheiro e corrupção policial. O combate a esses delitos esfriou nos últimos tempos pelo avanço de crimes mais assustadores como roubo, homicídio e latrocínio?
Tudo depende do ponto de vista. Preferimos trabalhar mais cautelosos e pacientes, com inteligência policial para pegar circunstâncias que vão além do simplesjogo de azar. Claro que se a gente for estabelecer uma prioridade de investigação, ela sempre será dos casos mais graves como homicídio e latrocínio, naturalmente.
Essas casas de jogos clandestinos funcionam em locais de risco para incêndio, não possuem janelas ou rotas de escape, são fechadas e dotadas de equipamentos velhos. Isso merece um olhar policial ou é tarefa dos bombeiros?
Foge um pouco da questão de polícia. É questão mais administrativa dos bombeiros e da fiscalização da prefeitura. No passado, alguns locais tinham alvará para uma coisa e eram usados para jogos de azar. Tem de ser verificada a questão administrativa. Já fizemos isso no tráfico de drogas, em bares que estão sendo usados para o tráfico. Nós notificamos a prefeitura que, logo em seguida, cancelou a licença desses locais.
As fronteiras do país são um problema para a proliferação dessas máquinas ou a indústria do jogo clandestino se desenvolveu por dentro do Brasil mesmo?
Alguns componentes, a gente sabe, vem de fora do país, mas a montagem geralmente acontece em locais pré-determinados. Para montagem, as principais articulações partem do centro do país. Existem coisas bastante sofisticadas, que são computadores normais que funcionam atrelados a um software que fica num HD ou pen drive. Assim que retirados o HD ou pen drive, as máquinas voltam a ser computadores normais. Isso, às vezes, dificulta a prova policial.
Legalizar e regulamentar o jogo de azar seria uma alternativa interessante para afastar a criminalidade desse setor?
Isso foi discutido bastante no Poder Legislativo, a gente sabe que outras condutas que já foram aceitas socialmente, no decorrer de um período, acabaram sendo descriminalizadas. Mas, no Brasil, é muito mais fácil criminalizar do que descriminalizar uma conduta. São embates que existem e essa é uma função dos nossos deputados e senadores.