Um relatório da Coordenação Geral de Supervisão Ordinária (CSGO), órgão do Ministério da Educação (MEC), revela em detalhes as suspeitas de irregularidades no Grupo Educacional Facinepe/Inepe. As informações estão contidas na nota técnica nº 23/2017 e levaram o MEC a instaurar, no final de fevereiro, dois processos administrativos, visando a investigar supostas práticas que desrespeitam regras do Ensino Superior.
O documento foi elaborado por uma comissão de técnicos do MEC após visita de surpresa, em outubro, na sede do Grupo Facinepe, em Porto Alegre. O objetivo era averiguar queixas de oferta de cursos antes de credenciamento do MEC por duas instituições do grupo, a Faculdade Facinepe e a Faculdade Inepe. Sob controle das mesmas pessoas e instaladas no mesmo endereço do grupo, no bairro Partenon, não estão habilitadas para funcionar como tal.
O relatório de 43 tópicos em 15 páginas contém um resumo geral das atividades das instituições, com informações contundentes. Cita que o grupo não tem nota máxima do MEC em cursos e não está no mercado de Ensino Superior há 30 anos, como alardeado em propagandas e sites. Afirma que divulga "informações inverídicas" sobre o fato de que todos os cursos são reconhecidos pelo MEC e revela um imbróglio na identificação e nas atribuições do Facinepe e do Inepe, com finalidade de dar credibilidade aos cursos e "confundir possíveis procedimentos investigativos".
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Durante a visita à sede do Facinepe, foram recolhidos documentos que fortaleceram suspeitas de irregularidades, entre elas, declaração de conclusão de cursos em nome de faculdade sem a devida autorização de credenciamento, indícios de entrega de certificados sem que o aluno tenha frequentado as aulas e, também, registros de aulas e notas com data anterior a da matrícula no curso.
Chamou a atenção dos técnicos do MEC o fato de Faustino da Rosa Júnior, 34 anos, então CEO do Grupo Facinepe, desempenhar múltiplas funções na empresa, e ser, ao mesmo tempo, orientador de 70% dos trabalhos de conclusão de alunos, a maioria na área da medicina. Faustino é advogado, e não médico.
Os técnicos do MEC apreenderam cópias de 14 históricos com 100% de frequência para todos os estudantes em cursos de duração mínima de um ano. E todos alunos que tiveram como orientador do trabalho de conclusão de curso (TCC) o advogado Faustino receberam a mesma sequência de notas, levantando desconfianças de lançamento de dados feito previamente a partir de um mesmo histórico.
"Práticas para burlar a legislação"
O relatório aponta a necessidade de o MEC investigar o grupo por causa de práticas adotadas que levariam a "burlar a legislação educacional", sendo necessárias medidas para evitar prejuízos à sociedade, "sobretudo na área da saúde".
O texto destaca que o Grupo Facinepe tentou desqualificar o trabalho da comissão do MEC, pedindo que a inspeção fosse impugnada ou considerada nula, entre outras alegações, porque a empresa não foi avisada da visita.
"... a ausência de notificação prévia à visita é justificada na nota técnica que determinou sua realização e tem por objetivo justamente impedir possível ocultamento ou manipulação de informações e de documentos importantes", escreveram os técnicos no relatório.
O texto também cita que o Grupo Facinepe protocolou, em 2015, pedidos de credenciamento no MEC para a Sociedade Brasileira de Ensino Médico (Sobem) e de autorização de três cursos. A Sobem funcionaria no mesmo prédio do Facinepe/Inepe, mas os pedidos foram cancelados.
Facspar sem professores nem alunos desde 2011
A comissão do MEC constatou, também, a oferta de curso de pós-graduação em nome da Faculdade Centro Sul do Paraná (Facspar), instituição comprada pelo Grupo Facinepe em 2015. O relatório expressa que a Facspar é considerada desativada, segundo o Censo da Educação Superior. O levantamento determina que instituições informem anualmente ao MEC dados como número de vagas ofertadas, nomes e números dos CPFs de professores e de alunos. A Facspar não tem professores nem alunos desde 2011.
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UNIVERSIDADE DE PAPEL
- O Instituto Nacional de Ensino, Pós-graduação e Extensão (Inepe) foi criado em 2011, com sede no bairro Partenon, em Porto Alegre, e oferece cursos de pós-graduação lato sensu, a maioria na área médica. Embora levem a denominação de especialização, não servem para o médico se intitular especialista.
- Em fevereiro de 2015, o Inepe comprou a documentação da Faculdade Centro Sul do Paraná (Facspar), instituição desativada que funcionava no interior paranaense . A partir daí, nasceu o Grupo Educacional Facinepe, com mesmos dirigentes e endereço do Inepe.
- O grupo passou a divulgar ter 30 anos de atividade, o que era o tempo de existência da antiga organização que controlava a Facspar. E começou a emitir certificados dos cursos de pós-graduação em nome da instituição paranaense. Fechada desde 2011, a faculdade nunca teve curso de graduação reconhecido pelo MEC e está com credenciamento vencido desde 2012.
- Conforme a legislação, o Facinepe/Inepe só poderia oferecer cursos de pós-graduação se estivesse vinculado a uma instituição de Ensino Superior devidamente credenciada pelo MEC, o que não é o caso da Facspar.
- Desde 2013, o grupo tenta credenciar junto ao MEC duas faculdades com nomes Facinepe e Inepe, mas os pedidos estão paralisados por suspeitas de irregularidades. Em uma primeira visita do MEC ao grupo, técnicos deram nota cinco para as instalações e proposta de cursos. Mas o Grupo Facinepe passou a divulgar que tinha nota máxima em todos seus cursos e que eles são reconhecidos pelo ministério, oque não é verdade.
- Em 20 de fevereiro deste ano, o MEC publicou duas portarias determinando abertura de processos administrativos para investigar as duas faculdades que ofereciam cursos sem credenciamento ministeria le proibiu cautelarmente o ingresso de alunos. Os processos estão baseados em uma visita de técnicos do órgão à sede do Grupo Facinepe, em Porto Alegre, em outubro passado, constatando suspeitas de irregularidades.
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AS SUSPEITAS DE IRREGULARIDADES
- Contratos de prestação de serviços educacionais com estudantes de pós-graduação firmados pela empresa Inepe, mantenedora da Faculdade Inepe, que não é credenciada pelo MEC (pedido de credenciamento está paralisado) para oferta de cursos. Por exemplo, uma estudante pagou R$ 6,3 mil e outra R$ 24,5 mil entre 2015 e 2016.
- Entrega de certificado de conclusão de curso, bem como declaração de conclusão de curso de pós-graduação em nome da empresa Inepe, mantenedora da Faculdade Inepe, não credenciada pelo MEC.
- Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) apresentados à empresa Inepe, mantenedora da Faculdade Inepe, não credenciada pelo MEC.
- Sistema de registro acadêmico incapaz de gerar a relação nominal de alunos por tipo de curso, modalidade e local das aulas, impossibilitando acesso aos dados acadêmicos durante a visita.
- Um único docente (Faustino da Rosa Júnior), com formação em Direito e que acumula funções de reitor, diretor, advogado, consultor e procurador institucional, responde pela orientação de mais de 70% dos TCCs. A maioria dos cursos pertence à área de saúde.
- Indícios de oferta de educação à distância sem ato de credenciamento específico, ou de entrega de certificado a aluno sem que ele tenha frequentado de fato as aulas. Listas de presença que impossibilitam atestar a efetiva presença do aluno, por conter apenas a carga horária, a data e a nota referente à disciplina.
- Oferta de curso de pós-graduação em larga escala com utilização de autorização a Ensino Superior desativada (Facspar), cujo único curso autorizado jamais foi implementado (pelo Grupo Facinepe), segundo informações do Censo da Educação Superior do MEC e de declaração por escrito assinada por dirigente do próprio grupo. O relatório do ministério cita que o curso está em clara situação de caducidade da autorização.
- Lançamento de disciplinas para um estudante com carga horária e notas com data equivalente a seis meses antes do dia da inscrição do aluno no curso. O estudante obteve 100% de aproveitamento em disciplinas ministradas em 12 encontros anteriores à data da inscrição.
- Registros de carga horária de 18h/aula realizadas em um único encontro presencial, o que equivaleria a atividades das 6h até a meia noite, sem intervalo. A situação indicaria a soma de atividades presenciais e não presenciais para totalizar a carga horária ou atribuição de nota em disciplina que o estudante não cursou.
- Indícios de fraude em 14 históricos cujas cópias foram apreendidas, nas quais estão assinalados 100% de frequência para todos os estudantes, em cursos com duração mínima de um ano, sem registro de uma única falta. Todos os históricos de estudantes cujos TCCs foram orientados por Faustino da Rosa Júnior seguem a mesma sequência de notas, aparentando se tratar de documento forjado a partir de lançamentos feitos de antemão em planilha ou a partir de um mesmo histórico, servindo de matriz.
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CONTRAPONTO
O que diz o Grupo Educacional Facinepe
"O Grupo Educacional Facinepe sempre primou pela excelência dos cursos que presta, sempre cumprindo a legislação educacional e as diretrizes do MEC. Avalia-se de maneira positiva os processos administrativos abertos já que as únicas condutas discutíveis dizem respeito a ex-dirigentes da instituição."
O que diz o Faustino da Rosa Junior
ZH tentou contato por e-mail e telefone ao longo do dia de ontem com a assessoria jurídica do ex-CEO do Grupo Facinepe. Até as 20h15min desta quarta-feira, não houve retorno.
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