O Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) realiza na manhã desta quinta-feira a Operação Full House, que investiga irregularidades em contratos de locação da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), em Porto Alegre.
Em novembro, Zero Hora revelou suspeitas de que um casal de servidores públicos teria simulado a venda de uma casa para, depois, alugar o imóvel para a Fasc por R$ 10 mil mensais – valor acima do mercado.
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A partir desta suspeita, a Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública e Ordem Tributária (Deat) instaurou inquérito para apurar crimes contra a Administração Pública e licitatórios. São cumpridos sete mandados de busca e apreensão nas residências dos suspeitos, em uma imobiliária, em uma construtora e na sede da Fasc, em Porto Alegre. O trabalho é comandado pelos delegados Daniel Mendelski e Max Otto Ritter.
Conforme a polícia, a ação é resultado de ato de colaboração firmado com o Ministério Público de Contas, que permitiu o compartilhamento de informações entre as instituições. A polícia apurou o possível envolvimento de gestores da Fasc no processo que possibilitou a operação de compra e venda de imóvel e posterior locação para a fundação. Entre os investigados estão o presidente da Fasc, Marcelo Soares (PP), e o diretor financeiro à época, José Juarez Pereira.
– Nossas investigações até aqui evidenciam um contexto em que servidores públicos, em comunhão de esforços com particulares e pessoas jurídicas, mediante anuência da direção da Fasc, teriam de certo modo colaborado para a realização do contrato de locação nos moldes praticados, por preços nitidamente superiores aos de mercado. Também há indícios de inobservância aos comandos legais reguladores das matérias, tanto licitatórios quanto estatutários, e de ferimento dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e economicidade, ocasionando possível prejuízo aos cofres públicos, até aqui, de R$ 110 mil – explica o delegado Ritter.
A suspeita em torno do negócio – mostrando que uma casa usada como sede de um abrigo para crianças e adolescentes no bairro Glória teria passado por processo de venda simulado para acobertar o fato de que pertence a um casal que tem cargo em comissão (CC) na prefeitura – foi revelada por ZH em novembro. O contrato da casa no bairro Glória, feito em dezembro, tem duração de cinco anos e foi firmado pelo valor total de R$ 600 mil.
A Fasc paga R$ 10 mil mensais pela locação do imóvel. A casa pertencia a José Carlos Lucas Machado e sua mulher, Meriângela Simas Perillo Machado, que até a última informação disponível no site da prefeitura, de dezembro, seguiam ocupando cargos comissionados no Executivo municipal. O imóvel está atualmente em nome da esteticista Ana Maria Simas, mãe de Meriângela e sogra de José Carlos, mas a polícia apura se a venda ocorreu mesmo.
A suspeita é de que eles teriam simulado o negócio para poder alugar o imóvel para a fundação, já que o Estatuto do Funcionário Público proíbe claramente que servidores celebrem contratos com seu empregador, ou seja, com o poder público.
O caso motivou pedido do MP de Contas para que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) faça inspeção especial para examinar todos contratos de locação firmados pela fundação. O MP de Contas já apurou que, em geral, os contratos de locação da Fasc têm prazo inicial entre 12 e 36 meses (o do bairro Glória foi firmado por 60 meses). Também foi verificado que o valor médio dos aluguéis pagos pela instituição para os abrigos é de R$ 5,2 mil.
A polícia apura ainda suspeitas de eventual interferência política para facilitar o negócio. Meriângela é militante do PP. O imóvel foi usado para reuniões da campanha política de 2014 e para expor banners do então candidato a deputado estadual Kevin Krieger (PP), presidente da fundação entre 2009 a 2013. Em janeiro de 2014, saiu da instituição para reassumir sua cadeira na Câmara de Vereadores, e não concorreu à reeleição em 2016.
Quem o substituiu na Fasc foi Marcelo Machado Soares, que era seu chefe de gabinete. Na condição de presidente, foi Soares quem assinou o contrato de aluguel com Ana Maria. Questionado por ZH em novembro, Krieger, que é o atual secretário de Relações Institucionais e Articulação Política do governo municipal, afirmou não haver nenhuma relação entre afinidades políticas e o negócio em questão.
Acompanhe a atualização das informações da operação em tempo real:
O negócio sob suspeita
– O contrato de aluguel firmado entre a Fasc e Ana Maria é datado de 16 de dezembro de 2015. Só que nessa data a casa ainda pertencia a Machado e Meriângela.
– No mesmo dia 16 de dezembro, o casal registrou em tabelionato um contrato particular de promessa de compra e venda do imóvel tendo Ana Maria como parte interessada na compra. Mas a efetivação do negócio e colocação do imóvel em nome da esteticista só ocorreu em 17 de fevereiro.
– A venda foi registrada por meio de escritura pública no 4º Tabelionato de Notas de Porto Alegre somente em 17 de fevereiro de 2016, ou seja, dois meses depois de o aluguel ter sido firmado com a fundação. Isso significa que a partir de dispensa de licitação a Fasc firmou contrato de locação com pessoa que não era proprietária do imóvel a ser usado pela fundação.
– ZH apurou que o imóvel – que tem 350 metros quadrados, três quartos e piscina – teve a venda anunciada em imobiliárias. O valor pedido variava entre R$ 800 e R$ 880 mil. Mas o negócio acabou fechado por valor bem menor com Ana Maria. Conforme consta no registro de imóveis, a casa foi vendida por R$ 250 mil. O MP de Contas destaca que há indicativo de que o valor está abaixo do de mercado.
– A casa foi avaliada pela prefeitura em R$ 670 mil para fins de cobrança de imposto de transmissão. Fotos de anúncios de imobiliárias mostram que a casa, construída em 1984, tinha paredes com umidade e infiltrações. Para ser alugado para a Fasc o imóvel passou por adequações e melhorias, que serão mantidas quando o contrato se encerrar. O valor das obras seria em torno de R$ 60 mil (a Polícia Civil apura quem desembolsou o valor).
– Também há suspeita de superfaturamento no valor do aluguel. São R$ 10 mil mensais. ZH pesquisou valores junto ao Sindicato da Habitação (Secovi RS). Dados de setembro indicavam que o valor médio de aluguel para uma casa de três dormitórios, no bairro Glória, era de R$ 1,7 mil. O preço mínimo era de R$ 1,4 mil e o máximo, R$ 2 mil. Se fosse considerado aluguel para comércio - no caso, o abrigo se enquadra em ocupação residencial -, o valor seria de R$ 4,8 mil. Em nenhum caso atingiria os R$ 10 mil desembolsados pela Fasc desde o começo de 2016.
Contrapontos
O que diz Bruno Miragem, procurador-geral do Município:
"Somos absolutamente a favor de todas as medidas que impliquem na apuração, identificação e correção de situações irregulares, como a má utilização de recursos públicos. Temos dois inquéritos administrativos e seis sindicâncias em andamento sobre assuntos da Fasc, que devem ser concluídos até março".
O que diz Maria de Fátima Záchia Paludo, secretária do Desenvolvimento Social:
"Estamos tomando conhecimento dos fatos. Estamos à disposição da polícia para colaborar e queremos, assim como todos, o devido esclarecimento dos fatos".
O que diz Meriângela Simas Perillo Machado:
"Não quero me manifestar. Meu marido também já disse tudo que tinha para dizer".
O que diz José Carlos Lucas Machado:
A mulher dele disse que ele não tinha mais o que falar sobre o assunto.
O que diz Ana Maria Simas:
ZH deixou recado no celular, mas ainda
não obteve retorno.
O que diz Marcelo Soares, presidente da Fasc:
ZH deixou recado no celular, mas ainda não obteve retorno.
O que diz José Juarez Pereira, diretor administrativo da Fasc:
ZH deixou recado na assessoria de imprensa da fundação, mas ainda não obteve retorno.