Um dos nomes mais respeitados da música regionalista do Rio Grande do Sul, Adair de Freitas assume, aos 76 anos, o cargo de patrono dos Festejos Farroupilhas 2022. Algo a mais para se orgulhar em pelo menos cinco décadas de carreira.
Se for considerar o ano em que começou a tocar, dá para dizer que a música é coisa de uma vida inteira. Nascido em São Gabriel, na Fronteira Oeste, aos três anos mudou-se com a família para Santana do Livramento, onde se criou. Filho de um ferroviário que gostava de tocar gaita de botão, aos oito se embrenhou no acordeon, que chama de gaita pianada, por causa das teclas que lembram o piano.
Aos 10 começou a se apresentar ao lado do irmão João Freitas, um ano e meio mais velho. A dupla cantava e tocava em parques de diversão de Livramento e nas carreiradas em cancha reta, tradicionais corridas de cavalo em que se aposta qual é o animal mais rápido. Imitavam os ídolos que ouviam no rádio, como Teixeirinha e Gildo de Freitas, e tocavam músicas folclóricas do Uruguai e da Argentina.
— Ali, a gente ganhava umas gorjetas, uns trocos — lembra.
Aos 21 anos, Adair juntou-se a Nelson Cardoso no grupo Os Vaqueanos, que também contou com o Gaúcho da Fronteira. Viajou pelo Brasil com os colegas e até foram convidados para o programa Alô Brasil, Aquele Abraço, da Globo, que exibia atrações típicas de todos os cantos do país. Depois de oito anos de estrada, cada um seguiu carreira individual.
Lançou o primeiro disco solo, Exaltação ao Rio Grande, na extinta Isaec, que ficava na Senhor dos Passos, em Porto Alegre. O trabalho só com músicas próprias fez tanto sucesso que Adair foi contratado pela gravadora. Daí em diante, foram mais 15 discos gravados em diferentes selos e composições que entraram para a história dos festivais nativistas do Estado.
Como um típico músico regionalista, Adair gosta de falar da lida campeira nas suas composições. No entanto, não dá as costas para assuntos mais espinhosos.
— O meu canto fala da vida do homem rural, mas também de temas sociais, que eu também gosto muito — diz.
Criada para a Coxilha de Cruz Alta, a chamarrita De Já Hoje trata do êxodo rural que ganhou força no Brasil nas décadas de 70 e 80. Já Searas de Paz, vencedora da Tertúlia de Santa Maria, aborda a reforma agrária, tema que Adair considera polêmico. Os versos da mazurca fazem menção tanto ao dono de terra quanto ao que não tem terra alguma, acenando para um possível entendimento entre os dois.
Muitas vezes, um discurso muito bonito vale menos do que uma música que diga o que precisa ser dito
ADAIR DE FREITAS
Patrono dos Festejos Farroupilhas 2022
Ninguém tem culpa de haver nascido
Sobre as sesmarias de algum ancestral
Nem é culpado quem nasceu num catre
Acampado à beira da estrada real
Há de haver um jeito de ajeitar o tranco
Pra levar a tropa rumo ao seu destino
E deixar na estrada muito boi corneta
Que não é colono e nem campesino
Para Adair, a música, ao expor uma visão de mundo, tem a vantagem de ser convincente, já que toca diretamente o coração das pessoas.
— Muitas vezes, um discurso muito bonito vale menos do que uma música que diga o que precisa ser dito — reflete.
Ao falar de um acidente que sofreu 13 anos atrás, dá uma amostra de como encara a vida. Quando passava por um grupo de meninos brincando de bodoque, voltou sua cabeça em direção à gurizada. Acabou levando uma pedrada direto no olho esquerdo. Perdeu completamente a visão, mas não sente qualquer revolta.
— Costumo dizer que algumas coisas que nos acontecem já estavam escritas. Não reclamei de nada, nem com os meninos. Passei praticamente toda a vida enxergando perfeitamente, enquanto há outros por aí que nem conhecem o rosto dos filhos, nunca viram a luz do dia — diz.
Sem abandonar a terra onde se criou, Adair vê a prole aumentar. Casado com Jane Freitas, 50 anos, é pai de sete filhos, avô de nove netos e, agora, assiste à terceira geração na forma de três bisnetas. Estará em Porto Alegre no próximo dia 14, para participar do acendimento da chama crioula em cerimônia oficial no Palácio Piratini.
Na avaliação do Gaúcho da Fronteira, o patronato dos Festejos Farroupilhas é algo merecedor do talento do conterrâneo de Livramento.
— O Adair sempre teve boa poesia, além de arranjos bonitos. Um trabalho notável, agora ainda mais reconhecido.